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sexta-feira, 3 de maio de 2024

À sombra da exaustão: adoecimento e libertação profissional

Ao entrar no elevador, Ana teve o mesmo comportamento de alguns meses atrás: cabeça baixa, olhar perdido, estalando nervosamente os dedos e tentando exorcizar os demônios de sua cabeça que a intimidavam o tempo inteiro. Aqueles demônios a acompanhavam desde o dia em que constatou que o seu ambiente de trabalho estava adoecendo-a. Desde então, não havia sequer um dia em ela não se via acompanhada daqueles pesadelos internos que somente ela tinha conhecimento. Os pequenos gestos da equipe com a qual ela trabalhava foram mutilando-a dia após dia. Do descaso à indiferença para com o seu trabalho, da perseguição à uma rotina exagerada por cumprimento de metas quase impossíveis de serem atendidas, tudo isso, misturado à falta de empatia dos seus pares, a fez ter um quadro severo de ansiedade que resultou em várias licenças médicas.

Ao erguer a cabeça para ver em qual andar estava, seu coração quase saiu pela boca quando viu que já estava chegando ao décimo quinto andar. Taquicardia e mãos completamente úmidas e geladas voltaram a fazer parte de sua rotina quando ela chegou naquele andar e, por mais que lutasse contra aqueles sentimentos negativos, o medo daquele lugar falava mais alto e ela se via completamente perdida naquele ambiente.

Ao chegar naquele andar, seus olhos imediatamente ficaram marejados; seu corpo fraquejou e os pedidos internos para ir embora daquele lugar tomaram conta de seu ser. Ali se deu conta que aquele ambiente era o motivo de sua ruína psicológica.

Trabalhando há mais de uma década naquela empresa, desejou por alguns instantes não fazer parte daquele lugar, pois ali ela vivia os seus piores pesadelos.

Por mais que se dedicasse com afinco, envidasse todos os esforços necessários para a melhoria naquele ambiente hostil, sentia que estava enxugando gelo o tempo inteiro, pois os resultados eram os mais negativos possíveis e ela se lamentava por isso.

Conseguiu sair do elevador e foi imediatamente para o banheiro enxugar as lágrimas que insistiam em cair de seus olhos. Orando, rogou ao Universo para que ela tivesse um dia calmo, sem perseguição, sem sofrimento.

Dirigiu-se, então, para sua estação de trabalho e lá ficou por muito tempo olhando a tela do computador desligada que refletia sua imagem às margens de um pesadelo que não tinha fim. Ela não tinha energia sequer para ligar o computador, nada mais lhe apetecia naquele lugar e ela, mais uma vez, se questionava por que se sentia tão presa e dependente daquele lugar que mais lhe fazia mal.

Olhou para o relógio que marcava oito e trinta e cinco, bateu o ponto e foi para a janela de sua sala. Olhou o horizonte e quis acreditar que teria um dia sereno até que seu superior adentrou o recinto bradando e a bombardeando com tarefas para lá de urgentes sem se dar ao trabalho de dizer como ela deveria fazer ou como fazer, mas queria resultados até o final do dia. Ele agia assim com frequência, sem nenhum tipo de humanização. Resultado era o que ele esperava, custasse o que custasse.

Ainda tentando se restabelecer de sua licença médica, Ana pegou aqueles documentos entregues a ela pelo seu superior e tentou construir uma linha de raciocínio lógico naqueles papéis que mais pareciam enigmas sem nenhum sentido. Sentou-se em sua estação e se debruçou naqueles papéis e depois de horas analisando, conseguiu compreender o que deveria ser feito e finalizou o documento e, quando se deu conta, percebeu que haviam se passado mais de dez horas de trabalho.

Mas, ao invés de entregar o resultado para seu chefe que já não estava mais presente, olhou demoradamente para aqueles papéis e sentiu que não conseguiria dar continuidade ao sofrimento que tomava conta de seu ser por viver num ambiente tão insalubre.

Paralisada diante do seu computador ligado, relembrou-se de cada momento de angústia e exaustão que vivera naquele lugar; das inúmeras súplicas de pedidos de mudança de setor e as negativas infundadas que recebia; das situações vexatórias pelas quais passou diante dos seus colegas de trabalho e tantos projetos apresentados por ela que foram engavetados pelo seu superior. Todas aquelas lembranças dolorosas a fez  perder a esperança de dias melhores em seu trabalho e quando despertou de seus pensamentos não hesitou em tomar a decisão de logar-se em seu e-mail profissional e enviar uma mensagem ao setor de recursos humanos pedindo sua demissão. Quando apertou o botão “enviar”, o alívio tomou conta de sua alma e ela pode, enfim, respirar normalmente.

Mas, antes de deixar sua estação de trabalho para todo o sempre, deixou o projeto finalizado na mesa do seu chefe e com um sorriso no canto da boca, sentiu que havia tomado a melhor decisão de sua vida.

Ao chegar ao pilotis, a porta do elevador abriu e ali ela teve a certeza de que uma nova vida promissora a esperava e ela nunca pensou que aquela simples ação de enviar um e-mail pudesse libertá-la daquela prisão que vivera por tantos anos, o que, de fato, aconteceu.

Entrando no carro, olhou demoradamente para aquele arranha-céu que a adoeceu tantas vezes e se despediu com o coração cheio de expectativa de dias mais leves e se deu a oportunidade de fazer as pazes com a vida novamente.

Autora:

Patricia Lopes dos Santos

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