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domingo, 28 de abril de 2024

O homem e o fenômeno de transcendência

A palavra “transcendência” vem do Latim TRANSCENDERE, que se traduz “subir”, “cruzar por cima”, de TRANS, cuja tradução é “através”, mais SCANDERE, “subir”, “trepar”. Na prática, tal palavra se relaciona à “ultrapassagem”, a “ir além”, e se faz presente, principalmente, nos movimentos místicos e religiosos. Ao tratar sobre movimentos místico-religiosos precisamos entender que toda expressão religiosa tende a refletir a sua época, em maior ou menor grau, pois é fenômeno antropológico. No tempo de Jesus, por exemplo, e em especial no que se refere ao povo hebreu, a pobreza era tida como algo que aproximava-nos de Deus -na visão revolucionista de Jesus e de outros- porque era crescente a massa oprimida pela política hebraica-romana. Convém ressaltar que os sacerdotes-políticos hebreus viviam em relação de governança compartilhada com os políticos romanos, tendo, estes últimos, a maior fatia do poder. A cultura antiga dos hebreus tinha a pobreza como resultado de pecados, uma maldição e, portanto, a pobreza era tida como coisa repulsiva, vergonhosa. Negligenciados, assim, pela elite de seu próprio povo, os hebreus pobres não possuíam representação política e, em tal cenário, surgiram figuras como Jesus, Barrabás e outras que buscaram inverter a ordem, se dirigindo às massas crescentes da sociedade de então, dizendo que, se o reino (governo) dos homens era para os ricos e os abastados, o Reino de Deus era para os pobres e humildes de coração, visto que, a riqueza, geralmente corrompe o coração humano, gerando soberba, arrogância… Deste modo, se fazia crítica, inclusive, à visão hebraica, de ser, a pobreza, resultante de pecados, e de estar, assim, vinculada à desobediência aos mandamentos e, consequentemente, à Deus.

A visão de Reino de Deus aos pobres era, inicialmente, uma visão ativa, que pretendia “o estabelecimento do Reino de Deus na Terra”, uma espécie de Teocracia, e por isso a expressão, contida na Bíblia: “(…) vinde a nós o vosso Reino, para que a Tua Vontade (Vontade de Deus) seja feita na Terra como é feita no Céu.”. Mt. 6:10. A outra parte dessa oração revela o caráter socio-político dessa “Vontade de Deus” tão desejada: “(…) o nosso pão de cada dia dê-nos já!”. Mt. 6:11. Havia profundo anseio por igualdade social ou, pelo menos, justa distribuição de oportunidades de rendimentos para o auto-sustento, o que, consequentemente, faria despencar o sistema escravagista e este ponto foi um dos principais que geraram grande incômodo em algumas autoridades políticas, principalmente entre autoridades hebraicas. Com o correr dos anos, depois da morte de Jesus, ocorrendo que, tais anseios, não obtinham respostas à altura, o movimento de “estabelecimento do Reino de Deus na Terra” (Teocracia) adquiriu contornos muito mais religiosos, embora as características sociais se mantivessem, mas de um modo totalmente diferente. Malogrados os anseios, passou -se à pregar o que, de certo modo, assemelha -se ao que, erradamente, costuma -se chamar de resiliência: devia-se, então, suportar tudo o que de ruim acontecia, até mesmo manifestando gratidão a Deus por tais coisas, pois no Céu (deixou -se a ideia de o Reino de Deus vir até nós, isto é, ser estabelecido na Terra, e passou -se a ideia de, após a morte, irmos para o Reino de Deus) os mais pobres e humilhados na Terra seriam os mais ricos no Céu. Convém ressaltar, porém, que havia outra vertente cristã, que pregava o “estabelecimento do Reino de Deus na Terra”, mas somente com o advento da “ressurreição dos eleitos”; chegava-se a pregar a existência de uma Cidade Celestial, chamada Nova Jerusalém, cujas ruas -de tão próspera a referida Cidade- seriam pavimentadas de jaspe, berilo e de outras pedras tão preciosas quanto estas. De qualquer maneira, a tão almejada justiça social passou a ser proposta para um futuro, no Céu ou, após a morte, na Terra, com a ressurreição. Sem o enfado de entrar em minúcias históricas e de antropologia religiosa, o que se destaca é que, o evangelho para os pobres foi uma expressão antropológica da época, assim como a chamada teologia da prosperidade surgiu como reflexo das perspectivas midiáticas e sociais de modo geral em nossas gerações, a partir de, mais ou menos, a década de 70, tendo como principal expoente, no Brasil, com rapida influência em muitos países, o Bispo Edir Macedo, que possui Graduação em Teologia pela Faculdade Evangélica Seminário Unido e pela Faculdade de Educação Teológica no Estado de São Paulo (FATEBOM), Mestrado em Ciências Teológicas pela Federación Evangélica Española de Entidades Religiosas em Madri (Espanha) e títulos Honoris Causa de Doutor em Teologia, Filosofia Cristã e em Divindade; possui ainda Bacharelado incompleto em Matemática pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Seu movimento teológico, fundamentado nos anseios de seu tempo, logo encontrou eco em diversos movimentos iniciantes, que se espalharam, nitidamente influenciados por suas ideias e em seu estilo de pregação. Muito criticou-se e critica-se tal movimento, agumentando-se que contraría o Evangelho Original. Como já expliquei, não existe um Evanlho Original a ser seguido a risca, visto que todo movimento místico-religioso reflete uma época; nenhuma visão de cunho religioso é errada ou certa, porque expressa apenas um movimento intra-social, um fenômeno antropológico, fazendo emergirem os anseios de uma sociedade, de um povo, de maneira que, sem fazer qualquer juízo de valor ético, moral e/ ou de qualquer outro tipo, em relação ao referido líder religioso, sua igreja e demais sistemas religiosos ou místico-religiosos, não podemos deixar de apontar que, obviamente, não são poucos os que tiram e não foram poucos -ao longo dos milênios- que tiraram proveito dos anseios de um clã, de uma tribo ou de um povo no sentido de grande população. Mas isto já é outro assunto, aliás, amplamente analisado por Nietzsche, principalmente em A Genealogia da Moral e em seu livro O Anticristo. Aqui, porém, como ponto central interessa-nos entender os motivadores do fenômeno humano de transcendência, “desenterrar as raízes” que compelem-nos à perspectiva de “auto-ultrapassagem”, o que chamamos, aqui, de “fenômeno de transcendência”, fenômeno esse que pode se fazer de maneira positiva e/ ou negativa. Deixo, assim, essa questão como proposta a sua reflexão: quais são os motivadores do fenômeno humano de “transcendência”, que também se expressa nos esportes, nas carreiras em múltinacionais etc?

Autor:

Cesar Tólmi – Psicanalista, jornalista, filósofo, artista plástico autodidata, pós-graduando em Neurociência Clínica, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, com integração dos campos clínico, forense, jurídico e social.

cesartolmi.contato@gmail.com

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