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terça-feira, 30 de abril de 2024

Ilusionismo, Pareidolia e a Babá

Ao final do número, a plateia aplaudiu freneticamente. Eva era só alegria. Ria, pulava, aplaudia, gritava, pedia bis, atitudes que muito agradaram o orgulhoso mágico Mister “X”, inicial do nome do meio. Severino Xavier Silva não só atendeu o bis como chamou a incrédula Eva ao palco para ser sua assistente. A minissaia era tão justa que ela teve de subir de ladinho e mesmo assim revelou um pouco da sua magia.

Os habituês já estavam acostumados. Em caso de bis, Mister “X” chama uma mulher linda da plateia, faz mais um número e é aplaudido de novo. Depois a jovem desaparece, não por passe de mágica, mas pela lábia do ilusionista, que normalmente a leva para o camarim e, se der certo, para a cama.

Não foi diferente com a entusiasmada Eva. Triscando de felicidade, a moça passou a noite com Mister “X” e ele prometeu revelar alguns truques e ainda pagar uma quantia caso aceitasse ser babá de suas filhas para ele atuar todas as noites no Cartola Club.

Não existe mágica, ele disse. É só ilusionismo. Eu crio uma distração e faço o que bem entendo sem que a plateia perceba. Xavier distraiu Eva e as filhas usando cartas de baralho, lenços coloridos e tirando moedas de suas orelhas. Ela quis saber como faz os truques e ele emprestou o livro Mágicas para Principiantes.

Sabe, existe um negócio que eu aprendi na escola de magia que se chama Pareidolia, palavra estranha que denomina o fenômeno psicológico pelo qual o cérebro humano sempre busca reconhecer rostos de animais ou pessoas nos objetos, sombras, nuvens e em qualquer estímulo visual aleatório. O povo olha para o céu e vê carneiros, crianças, anjos, o que o cérebro quiser. Nós, mágicos, usamos isso para fazer a pessoa ver não o que mostramos, mas o que o cérebro dela quer ver. É um tipo de apofenia, mania que a pessoa têm de buscar padrões em dados aleatórios. Usamos isso para criar ilusões.

Eva divide a cama com Xavier no pequeno apartamento de dois quartos. Ele sempre chega lá pelas 3 da manhã, muito cansado. Diz que os shows terminam tarde, mas esta ganhando bem. Deu um bom aumento de salário e Eva passou a viver com o mágico em período integral, não apenas como babá. Ela ainda conseguiu emprego de porteiro no Cartola Club para Tonhão, seu primo. Nas horas de folga ele fazia mágicas para Eva, mas com o tempo, a coisa foi esfriando.

Desconfiada, Eva pediu para Tonhão ficar de olho no mágico. Na semana seguinte, na casa da mãe, o primo relatou que o show é muito legal e que no final ele sempre chama uma moça bonita da plateia para ajuda-lo. Mas aí ele tem de voltar para a portaria, pois quando o show termina o pessoal vai embora.

  • Que horas isso?
  • Termina 23:00. Alguns pedem mais uma bebida, ficam de conversa, vão ao banheiro, mas após meia noite não tem mais ninguém e o gerente fecha o auditório.
  • E o Xavier?
  • Ele sai lá pelas onze e meia, sempre com uma moça da plateia.
  • Filha, o seu casamento está em crise!
  • Não somos casados, mãe!
  • Você cuida da casa dele? Cuida das filhas dele? Lava e cozinha para ele?
  • Sim, mãe. Faço tudo isso.
  • Vocês transam?
  • Quase nunca.
  • Tá vendo, vocês são casados!

A mãe de Eva explicou que relacionamentos são como as pernas. No início, são bonitas, firmes, mas depois vêm as dores, varizes, celulite e elas deixam de ser apreciadas. Precisamos dar atenção às pernas porque sem elas não paramos em pé. Eva entendeu que devia dar mais atenção ao relacionamento, mas o relato do a primo preocupou. Então ela pediu um favor à mãe. Como as filhas do mágico dormem antes das 22h, a mãe ficou no apartamento pajeando e Eva foi até o Clube conferir. Depois do show, ficou de tocaia na esquina, por 3 dias seguidos. Em todas as vezes Xavier saiu com uma moça diferente e chegou em casa bem tarde e cansado.

Choveu muito na noite de folga do Tonhão. Xavier não levou ninguém para o motel e foi para casa mais cedo. Da rua, viu uma luz acesa na sala de seu apartamento e sombras na cortina. Ouviu risos masculinos e femininos, mas não os identificou. O mágico entrou no apartamento e foi direto para o quarto onde Eva já cochilava.

  • Faz tempo que está dormindo?
  • Oi amor. Chegou cedo!
  • Vi luz acesa na sala e ouvi risinhos.
  • Estava vendo uma comédia, mas era repetida e desisti. Faz um favor? Estou com dor de cabeça. Faz um chá de hortelã e traz uma aspirina.

Enquanto a água fervia, Xavier inspecionou os cômodos. As filhas dormiam, tudo parecia em ordem, mas ele estava intrigado. Voltou ao quarto com a aspirina e a xícara de chá.

  • Eva, eu juro que lá da rua eu vi você e um vulto masculino. Quem era?
  • Bobagem, amor.
  • Tinha um vulto de homem te abraçando. Parecia o Tonhão.
  • Amor, só pode ser a tal pareidolia. Lembra? Foi você que me ensinou. A pessoa olha mas o cérebro busca padrões e enxerga aquilo que quer ver. Agora, aproveita que você chegou cedo e descanse. Você anda exausto ultimamente. Faça uma mágica para dormir bem!

Tonhão aproveitou para sair de trás da cortina e escapulir de fininho com os sapatos nas mãos para não fazer barulho. Mister “M” não conseguiu pegar no sono e passou a noite bolando aquele truque de fazer a mulher sumir. Já tem até uma candidata.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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