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segunda-feira, 22 de abril de 2024

Papel higiênico, rastro na cueca e perícia criminal

Apelidos são engraçados, exceto para alguns apelidados, claro. Eles decorrem de características físicas, como estatura, peso, feições, semelhanças, atos que alguém praticou, coisas que disse ou fatos pitorescos. Alguns não têm relação com nada em especial, mas em muitos casos, os apelidos ofendem. Se a pessoa não gosta ou se zanga com o apelido, aí é que ele pega mesmo.

O pai de Allan, por exemplo, é dono de uma cachaçaria. Não podendo mexer com o pai, os garotos o apelidaram Allan Bique. Quando descobriram que ele tem reações a certos alimentos que desencadeiam constantes diarreias e sempre volta da escola com a cuequinha de grife suja, o apelido mudou para Allan Gerrí.

Sua prima Daniela tem problema oposto: constipação intestinal, distúrbio que causa inchaço abdominal, fezes ressecadas, dores e dificuldade para ir ao banheiro. Ela toma diariamente suco de laranja com beterraba, com mamão, com ameixa e mesmo assim, para arriar o barro, precisa de leite de magnésia ou medicamentos. Foi assim que ela se tornou Daniela Xante.

Formaram-se em Patologia Forense, e a gozação só fez aumentar. Allan é hematófobo. Quando vê sangue, bate a diarreia instantânea, ele corre ao banheiro, mas nem sempre chega a tempo, deixando rastros pelo caminho. No vaso sanitário, parece vulcão ativo de ponta cabeça. E ele fica muito nervoso! Dany é necrófoba. Diante de um cadáver – e o laboratório está cheio deles – o intestino trava por vários dias e não há laxante que resolva. Ataca o sistema nervoso e a tensão aumenta. A dupla ganhou o apelido Travada & Soltinho.

Eles pesquisaram no Google e descobriram tratamentos alternativos, dicas e receitas de chás e calmantes naturais. Tentaram de tudo, mas os problemas continuaram. Bem, pelo menos agora eles estão mais calmos.

Ambos foram aprovados no concurso para a Polícia Civil, na Perícia Criminal. No trabalho de campo, o sofrimento persiste, pois toda cena de crime que periciam envolvem cadáver e sangue. Os colegas souberam dos apelidos e espalharam pelo Departamento.

Na mesma época, a mídia e a população cobravam do Secretário da Segurança a prisão do Maníaco do Banheiro, criminoso que assalta nos lavabos de bares badalados. A inspiração veio de fora, onde esse tipo de crime está em alta nos Estados Unidos, Ásia e Europa, fato que envolveu até a Interpol. Polícias de todo o planeta conhecem casos envolvendo DFC – Droga Facilitadora de Crime: Xanax, Frontal ou Rohypnol e Ácido Gama Hidroxibutírico, conhecidas como “Boa Noite Cinderela”. Essas drogas são misturadas à bebida e, iniciado o efeito, a vítima é dominada com facilidade, seguindo-se o golpe: estupro ou fotos íntimas para extorsão.

O Maníaco do Banheiro não deixa pistas, os suspeitos são liberados por falta de provas e raras vítimas registram Boletim de Ocorrência por conta do constrangimento. Os poucos que fizeram B.O. declararam que, logo após os sintomas de diarreia, correram para o banheiro mais perto onde foram furtados e abandonados, nus e amordaçados. Três vítimas disseram que alguém que estava sanitário vizinho puxava conversa, queixava-se de diarreia, oferecia ajuda e em seguida assaltava. O Degelado Geral concluiu tratar-se de um padrão, uma possível pista.

Então ele imediatamente designou para o caso a dupla Travada & Soltinho, seus alunos na Academia de Polícia. Afinal, em toda a Corporação, não existe autoridade maior em intestinos presos ou soltos do que Allan Gerrí e Daniela Xante. Até o doutor conhece os apelidos. A Mídia recebeu a notícia com deboche e não poupou críticas ao Delegado. 

Alheios à gozação, eles periciaram cenas de crime e pediram busca e apreensão de cestos de papel higiênico, operação batizada pela mídia de Lavabo Jato. Porém, em apenas três dias e com muita pompa, Secretário e Delegado convocaram a imprensa para anunciar a prisão do Maníaco do Banheiro e o meliante foi reconhecido por dezenas de vítimas que antes evitaram depor.

A Coletiva atingiu o clímax com as explanações dos peritos Allan e Daniela, que basearam a perícia no Trabalho de Conclusão de Curso na Academia de Polícia, com a tese da Assinatura Anal, que recebeu a nota mínima para aprovação. Segundo a pesquisa, o esfíncter humano é único e deixa uma “assinatura” no papel higiênico, como uma impressão digital. No exame de balística, os peritos analisam o cano da arma e conseguem afirmar se determinada bala saiu ou não de lá. Vale o mesmo para o esfíncter. Compararam as impressões no papel higiênico com os rastros das cuecas dos suspeitos, tarefa realizada em poucas horas e que resultou na captura de José do Rego Barroso, o popular Zé da Moita. Ele assaltava porque sofre de diarreia crônica e não consegue parar em emprego algum.

A notícia correu o mundo. A Tese foi publicada em revistas científicas, recebeu vários prêmios acadêmicos e a Lavabo Jato entrou para a história. A Academia de Polícia criou a cátedra de Diarreia Legal, Allan foi nomeado professor titular e Daniela viaja pelo Brasil e o mundo fazendo palestras sobre Assinatura Anal.

Porém, o crime não descansa, está sempre um passo à frente da lei e desafia as autoridades. Neste momento, Interpol e FBI rastreiam uma quadrilha especializada na produção de um spray que confunde o rastro na cueca e dissolve a assinatura no papel higiênico. Como diz o ditado, “si fa la legge, si fa la frode” (feita a lei, faz-se a burla). Vida que segue! 

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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