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segunda-feira, 29 de abril de 2024

A escravização do trabalho

É de se considerar que o Brasil integra o rol dos países com o maior índice de trabalhadores informais do mundo, com números que vêm batendo recordes a cada ano, o que se deve, em grande medida, à instabilidade do mercado de trabalho nacional, ocasionando o desequilíbrio das relações econômicas, que resulta na busca por oportunidades de sobrevivência financeira, ainda que não acompanhadas de todos os direitos previstos em lei.

Entretanto, é exatamente neste oceano de mão de obra não regularizada – e, portanto, não fiscalizada – que se encontram as maiores violações de direitos humanos e trabalhistas as quais, quase sempre, geram a responsabilização criminal por danos causados a seres humanos colocados em situações degradantes.

Nesta linha, ganhou a atenção da mídia o recente acontecimento em que um membro do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina é investigado por manter uma deficiente auditiva em condições indignas de trabalho.

O fato relatado adquire relevância em razão da recorrência com que acontecimentos semelhantes possam ocorrer em diversos lares brasileiros, sobretudo naqueles em que o empregado doméstico é considerado como membro da família e, dada a informalidade do trabalho desenvolvido, encontra-se distante das lentes da fiscalização, abrindo espaço para a violação de diversos direitos inerentes à sua condição de ser humano, tal como a redução a condições análogas a de escravo.

À vista disto, o Código Penal Brasileiro trouxe, apesar de tardiamente, a inclusão do Art.149, por força da promulgação da Lei nº 10.803/03, que pune a conduta de reduzir alguém à situação análoga à de escravo, prevendo algumas situações que ensejariam a punição pelo delito, tal como trabalho forçado, jornadas exaustivas, restrição de locomoção, vigilância ostensiva no local de trabalho ou até mesmo impedir o uso de meios de transporte.

De outro lado, as normas internacionais também trazem uma forte proteção à liberdade do ser humano e a proibição da escravidão, conforme prevê o Art. IV e XXIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, importante matriz de proteção do ser humano, a qual diz que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

Ademais, é de se dizer que as penas previstas no código penal não prejudicam a responsabilização cível do responsável pelos danos causados à pessoa que é violada na sua condição de ser humano.

Contudo, necessário que se reflita acerca do fato de que muitas situações podem ser consideradas, pela ótica da legislação anteriormente destacada, como violadoras dos Direitos Humanos numa realidade posta em que milhões de brasileiros trabalham informalmente, distantes da fiscalização.

Neste sentido, é de se analisar, também, a intenção de todos os personagens envolvidos em um contexto de suposta redução do ser humano à situação análoga à escravidão, sendo certo que, em qualquer prática criminosa, o dolo é indispensável para a caracterização do crime.

Todavia, nem sempre a pretensão que motivou as condutas criminalizadas em um contexto de violação de direitos humanos é de fácil identificação.

Pode-se notar, portanto, que apesar da grave situação que assola o mercado de trabalho brasileiro que, marcado pela informalidade, deixa brechas para a existência de profanação aos direitos humanitários, este ainda é um cenário que dificulta o procedimento do Estado em busca de responsabilizar os personagens responsáveis o que se deve, em certa medida, a ausência de uma legislação totalmente apta a abarcar todas as situações contemporâneas de violação.

Autor:

Leonardo Tajaribe Jr.

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