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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Sobre a fé e a eternidade

Conhece a pedra angular do Cristianismo e, por extensão, de todo tipo de religião? A fé! Entre os que melhor expressaram esse fundamento parece-me ter sido o tão contraditório sacerdote católico, fundador não intencional do Protestantismo: Martinho Lutero (1483-1546). Contra a razão mais pura _como também o ingênuo Kant se posicionou_ disse Lutero: “Se fosse possível compreender pela razão como o Deus que mostra tanta cólera e maldade pode ser justo e bom, para que serviria, então, a fé?”.

A “fé…”, esse narcótico ao qual os mais débeis espíritos se agarram desesperadamente! Ou terá sido Quintus Septimius Florens Tertulianus (155-220) escritor e cristão, quem melhor expressou o referido fundamento do Cristianismo? Tertulianus disse: “Credo quia absurdum est.”. Tradução: “Creio porque é absurdo.”. Realmente toda religião precisa do inacreditável para ser acreditada, do impossível para ser possível. Qual força pode se comparar à da ilusão que tanto a pessoa deseja, para não se enfrentar os mais duros fatos? Eis os mais duros fatos: estamos sozinhos, sem Deus algum a nos ajudar, e a única eternidade que a cada um aguarda é a consumação da vida; morreremos todos e nunca mais tornaremos a ser.

“Vida eterna…”. Com o nascimento vem a existência, com a morte ela se vai. Para todas as coisas há, sempre, o oposto: quente e frio, força e fraqueza, amor e ódio, bem e mal, nascimento e morte…, e como resumo de tudo, existênciae inexistência. Somos egoístas! Nunca achamos que vivemos tempo suficiente! Você se considera espiritual pela prática de sua religião? Não se gabe de seu espiritualismo tão desprovido de espírito… Desejar viver para sempre em um Céu, um Paraíso ou seja lá aonde for, em corpo ou em outra forma qualquer, é um apego, um tipo de materialismo, no mais repulssívo sentido! E só há um jeito de suplantar o referido materialismo e a ilusão de posse: não desejar nem a vida nem a morte. Viva, simplesmente, enquanto vivo está; exista, enquanto ainda existe, pois a sua vida sempre é aqui, agora, independentemente de ser finita ou eterna. De que adianta viver eternamente uma vida sem Vida?! Você quer mais tempo para continuar desperdiçando tempo? Vida eterna é uma preocupação tola e, consequentemente, uma ocupação de tolos! Se existe eternidade, ela não deve ser desejada, esperada ou buscada, porque não está além e não virá! Se existe eternidade, ela está acontecendo aqui, agora mesmo, desde sempre!

Devemos, o quanto antes, entender que a qualidade do tempo é bem mais importante do que a quantidade do tempo. Então, comecemos, já, a viver a eternidade, ainda que, talvez, não vivamos eternamente. A intensidade, a profundidade de cada momento, o perder a noção de tempo/espaço, fazendo com que o momento vivido, de tão sublime se pareça eterno, vale mais do que qualquer eternidade _se alguma eternidade pudesse existir_ e é a maior riqueza que nós, mortais, podemos ter. No entanto, é direito de todos, individualmente, ter ou não ter fé, e todo direito deve ser respeitado e mesmo defendido, como bem disse Evelyn Beatrice Hall, que escrevia sob o pseudônimo de S.G. Tallentyre, e que se tornou mais conhecida por ter escrito a biografia de Voltaire, intitulada Os Amigos de Voltaire, concluída em 1906: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las.”.

Cabe, aqui, uma reflexão… Nietzsche escreveu: “Não há no mundo amor e bondade o bastante para que ainda possamos dá-los a seres imaginários.”

Podemos dizer que, com tais palavras, Nietzsche estava dando a entender que, antes de reverenciarmos, antes de adorarmos, de servirmos a algum DEUS, anjo ou qualquer ser espiritual que imaginemos _independentemente de serem ou não, reais_é necessário e mesmo urgente que amemo-nos uns aos outros como a nós mesmos, que façamos aos outros aquilo que dos outros esperamos que nos seja feito, que empenhemo-nos em mudarmo-nos para melhor, para que, então, modifique-se o mundo, em vez de “cruzar-se os braços ao estendê-los ao Céu”, orando, pedindo que algum DEUS converta-nos e mude, também, o mundo, para o nosso bel prazer. Somos e devemos assumir que somos os responsaveis, pela mudança que almejamos, em nós mesmos e a nossa volta. Há tanto para ser feito aqui, agora mesmo, para que tenhamos uma vida bem melhor, bem mais digna de ser vivida, que chega a ser ridículo desejar uma vida melhor em um suposto “além-mundo”! Em vez de pedirmos o milagre, sejamos o milagre!

Obs.: extraíxo de FILÓSOFOS DE PESCOÇO DE GIRAFA.

Autor:

Cesar Tólmi – Psicanalista, com Graduação/Licenciatura em Filosofia, pós graduando em Neurociência Clínica, jornalista, artista plástico autodidata, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica com integração dos campos clínico, forense, jurídico e social.

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