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domingo, 28 de abril de 2024

O “antirracismo de ocasião”

Um dos assuntos que ferveu na mídia esportiva durante a semana foi o novo, ridículo e perverso ataque racista sofrido por Vinícius Júnior por parte de torcedores espanhóis que se identificam com o discurso de ódio, presente na medíocre e reacionária cartilha da extrema direita, que prega a xenofobia, a anti-imigração, o conservadorismo e conceitos raciais superados por todos aqueles que acreditam que a terra não é plana e foram, minimamente, tocados pelo Iluminismo.

Minutos depois do ocorrido, recebi pedidos insistentes de um dos meus leitores para escrever e me posicionar sobre o tema. O reiterado pedido me deixou intrigado, em particular, sobre o meu posicionamento, afinal, durante os três anos que escrevo e publico semanalmente as crônicas sobre futebol, eu abordei o assunto, de maneira direta, em seis oportunidades e diversas outras vezes de forma transversal. Em outras palavras, o meu posicionamento antirracista ficou claro em diversas crônicas.

Tomado pela curiosidade, fui pesquisar nas redes sociais, em mensagens trocadas anteriormente etc., e não encontrei, em vários outros casos de racismo que vivenciamos recentemente, dentro e fora do futebol, inclusive bem divulgados, a preocupação do meu nobre amigo com o assunto. Então, por que o desespero por saber a minha opinião, se ela já foi tantas vezes destacada, ainda mais partindo de uma pessoa que lê os meus escritos e me envia comentários todas as semanas? Por que o ocorrido com o Vini Jr. afetou tanto o meu leitor?

Depois de pensar alguns dias sobre o assunto, criei um novo conceito, o “antirracismo de ocasião”. Em outras palavras, ele se aplica às pessoas que abordam a temática, de forma antirracista, de forma esporádica e quando, por algum motivo, lhes interessa. Caso contrário, se calam diante de atitudes discriminatórias.

O detonador do “antirracismo de ocasião” é bastante variado. Vamos tentar exemplificá-los a partir do caso do Vini Jr.: o atleta é um brasileiro agredido no exterior e isso gera uma reação nacionalista por aqui. Como ele é cria do Flamengo, os torcedores da equipe, compadecidos e identificados com o jogador, expressaram a sua repulsa em relação à agressão sofrida. Há, ainda, o aspecto que considero mais importante, Vini Jr. é uma figura midiática. Ele não é o padeiro da esquina, a doméstica, o jogador do clube pequeno, o operário da fábrica, que sofrem atos preconceituosos e racistas, cotidianamente, mas não possuem os canais para se expressarem. No caso do meu amigo, que tanto me cobrou um posicionamento, acredito que tenha ocorrido uma fusão dos três “detonadores”.

Não quero reduzir a importância do que ocorreu com o jogador brasileiro do Real Madrid ou depreciar a preocupação daqueles que são tocados pelo “antirracismo de ocasião”. Quem sabe os benfazejos sopros de consciência cidadã não se tornem mais frequentes, floresçam e se espraiem para outras temáticas sociais e em defesa das minorias? Eu realmente gostaria que, não só o meu amigo, mas parte significativa da sociedade brasileira sentisse a mesma indignação e preocupação em combater o racismo sofrido pelo jogador brasileiro em outros casos, como o que ocorreu no Rio de Janeiro, quando uma mulher resolveu atacar um entregador negro e agredi-lo com uma guia de cachorro ou quando um ex-presidente, de forma recorrente e debochada, tratou os negros em arrobas. A nossa indignação, a nossa luta e o nosso apoio deve ser dirigido para todos aqueles, independente se são ou não figuras públicas, que sofrem com os discursos e ações racistas, machistas, misóginas, homofóbicas, transfóbicas, xenófobas etc. 

A recorrência dos ataques ao jogador brasileiro é um aspecto que chama a atenção e só comprova que o racismo, seja na Europa ou por aqui, é estrutural, ou seja, que ele está presente na própria estrutura social. Vinícius Júnior vivenciou no último domingo, em Valência, no Estádio Mersalla, o sexto ataque racista nos últimos dois anos. A posição altiva do atleta brasileiro, acrescido de sua incrível capacidade técnica que, indubitavelmente enlouquece os torcedores, leva os seus detratores ao desespero. 

Tão ridículo ou perverso quanto às manifestações dos racistas espanhóis foram as posições adotadas por um jornal de Valência e do pacóvio presidente da Liga espanhola, Javier Tebas. Ambos tentaram transferir a responsabilidade para o jogador brasileiro, em uma clara intensão, comum em todos os discursos preconceituosos, de transformar a vítima em culpado.

Na segunda feira, a capa do jornal Superdeporte, da cidade de Valência, tratou o fato como um caso “isolado” e fez dois “pedidos”: o primeiro que Vini Jr. parasse suas provocações e que o treinador Carlo Ancelotti, que saiu em defesa do jogador brasileiro e afirmou que La Liga não toma ações efetivas contra o racismo, parasse de mentir. No dia seguinte, o periódico conseguiu se superar em parvalhice e confirmei que a idiotice não encontra limites. O mesmo jornal, acreditando que todos nós somos patetas e surdos, afirmou que a torcida não gritou “mono” (macaco, em tradução livre), mas “tonto”. Caro Superdeporte, nos respeite!

Logo depois do horrendo episódio, Javier Tebas, o sinistro presidente da poderosa La Liga, condutora do futebol espanhol, foi às redes sociais para atacar Vini Jr. Esbanjando cinismo, o dirigente que foi filiado ao partido fascista Fuerza Nova (1976-1982) e atualmente é apoiador do Vox, o partido de extrema direita mais expressivo da Espanha, tentou desvirtuar o ocorrido de todas as formas, inclusive constrangendo o atleta que foi alvo de um crime repugnante. Curiosamente, Tebas não tomou atitude semelhante quando a torcida do Rayo Vallecano, um time historicamente ligado à esquerda espanhola, protestou contra a chegada do jogador ucraniano Roman Zezulya, sujeito que flerta abertamente com movimentos neonazistas de seu país. Na oportunidade, o dirigente pregou por “respeito e tolerância” com quem pensa diferente.

Não há uma solução fácil para acabar com os ataques racistas nos estádios, mas proponho uma. Em casos como o do último domingo, em que o jogador é acuado por uma massa de torcedores, que a partida seja interrompida e que o time do jogador que sofreu o ataque ganhe os três pontos. Nada dói mais no coração do torcedor do que a derrota.

O Vini Jr tem se mostrado extremamente resiliente, mas todos nós possuímos um limite de tolerância e, se ela for rompida, certamente o futebol espanhol será o maior prejudicado, afinal ele perderá um dos maiores talentos da atualidade. Não se preocupe Vini, já encontrei um bom caminho perfeito para você: o Botafogo, clube que fundiu o preto com o branco, te receberá de braços abertos!

Autor:

Luiz Henrique Borges

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