22.1 C
São Paulo
terça-feira, 7 de maio de 2024

Cultura Indígena e o Ensino Básico no MEC: América Latina e Organização das Lutas Sociais Descoloniais

Palavras-chave: Estudos organizacionais, Povos Originários, Educação; Estado do Ceará

  1. Introdução

              O ensino da cultura indígena em escolas públicas do Estado do Ceará, esquecido pela predominância da produção do saber derivada das ciências e paradigmas europeias, reforça, em parte, que a experiência latino-americana não se refere restritamente ao aspecto geopolítico, haja vista abarcar, também, elementos conceituais e prescritivos que norteiam, por exemplo, as instituições públicas na promoção dos seus serviços de alçada.

              “Mesmo sociedades intimamente ligadas por longa tradição de comércio e outras modalidades de interação devem aprender a lidar com suas diferenças” (Maximiniano, 2015, p. 399). Logo, apreciar a Escola Tapeba do Trilho, no município de Caucaia-CE, motiva compreender o legado dos povos originários latino-americanos na produção política, econômica e cultural, fazendo emergir os conhecimentos que, em grande parte das situações, ficaram restritos àquela civilização.

              Neste contexto, os termos que sucedem almejam relacionar o conteúdo doutrinário da disciplina de Teorias da Administração Pública, a partir do artigo científico intitulado “Pensar desde a América Latina em Diálogo com a Organização das Lutas Sociais Descoloniais: Explorando Possibilidades”, de Misoczk e Câmara (2018), associado com a experiência da educação formal da Comunidade Tapeba no Estado do Ceará.

  • Escola Tapeba do Trilho

              A experiência da escola indígena no Ceará recupera as memórias históricas, a de modo a reafirmar as identidades étnicas e a valorizar a linguagem e a ciência dos índios. A ação política vai ao encontro da serventia do conhecimento e da cultura de parte dos povos originais da AL, de forma a se contrapor ao eurocentrismo que fetichista a vida cotidiana europeia e todas as ciências sociais modernas (Misoczk e Câmara, 2018, p. 96).

              Até os anos 1990, os povos originários cearense padeciam da ausência de transmissão de saber de suas tradições e cultura nas instituições de ensino, uma vez que frequentavam a “escola de brancos” (Lopes, 2019, p. 20). Faltava ao governo cearense a sensibilidade para perceber a riqueza da população nativa e a necessidade de estabelecer políticas públicas associadas às lutas sociais e aos anseios dessa parte da sociedade. Tratava-se, portanto, de prestar atenção não apenas às reivindicações em torno das quais a luta ou o movimento se organizava, mas também às suas práticas pré-figurativas (Misoczk e Câmara, 2018, p. 94).

              Em 2006, a Escola Indígena Tapeba dos Trilhos foi construída e, com suas fundações, surgia a esperança de uma instituição diferenciada, cujo ensino se daria do pré-escolar ao médio, localizada em uma área de retomada (Lopes, 2019, p. 22). Desta feita, os jovens indígenas cearenses passaram a frequentar aulas de expressão corporal e espiritualidade. Confeccionam arcos, flechas e roupas a partir da fibra da castanheira, associando o tempo com as demais disciplinas obrigatórias da grade curricular nacional, tais como: matemática e português, a referendar a episteme pluriversa defendida por Misoczk e Câmara no ensaio que sugere o pensamento a partir da América Latina em diálogo com a organização da lutas descoloniais.

              Ensinam Denhardt e Thomas (2016, p. 147) que o modelo racional de administração supõe que os seres humanos fazem escolhas, no entanto suas escolhas podem ser afetadas pelos integrantes da cúpula organizacional. Os novos paradigmas do conhecimento exigem da gestão pública a busca pela transmodernidade, fazendo perceber que os países centrais não são exclusivos na produção do saber e, ao adotar a experiência dos povos latino-americanos, depreende-se a possibilidade de “conceber outras realidades como possíveis e afirmar a existência de processos políticos e organizacionais transformadores a partir da possibilidade do vir a ser dessas outras realidades” (Misoczk e Câmara, 2018, p. 101).

              Não restam dúvidas de que a transmodernidade impelida a partir do processo de colonização das américas dos trópicos sobejou em um novel modelo de construção teórica, sobretudo diante da diversidade dos eventos históricos que se sucederam na América Latina, região que compartilha “a mesma inserção dependente no contexto das relações internacionais, assim como a mesma intensa contradição entre abundância e miséria material” (Misoczky, 2010a, apud Misoczk e Câmara, 2018, p. 99).

              Maximiniano (2015, 395) explica que:

Todos os povos e sociedades enfrentam os mesmos tipos de problemas, porém com recursos e abordagens diferentes. Desse modo, todas as organizações formadas dentro de uma mesma sociedade tendem a ser similares entre si, porque são microcosmos dessa mesma sociedade. Porém, muitas sociedades, formadas por povos distintos ou por imigração intensa, tornaram-se sociedades multiculturais. Assim, em situações de trabalho ou mesmo em situações sociais, as pessoas precisam aprender a lidar com diferentes culturas nacionais.

Acompanhando o autor, acredita-se que formular a teoria da administração aplicada para o setor público torna-se um movimento aglutinador, capaz de reunir a episteme do velho mundo conciliada com as experiências sociais contidas na AL, a contrapor-se, por conseguinte, a ações de isolacionismo ou de privilégio ontológico de qualquer existência (Misoczk e Câmara, 2018, p. 101). Na companhia de Maximiniano (2015, p. 395), “a administração moderna dá grande importância ao entendimento das culturas nacionais e das diferenças entre elas”.

Ao se produzir fatos administrativos, como o desenvolvido na Comunidade Tapeba, o Governo do Estado do Ceará promove o pensamento que supera a brasilidade e alcança a sociedade latino-americana, de modo a aguçar a busca pelo conhecimento dos povos originários desta região geopolítica que, orginalmente, foi constituída em contraponto ao anglo-americano (Ribeiro, 1986, apud Misoczk e Câmara, 2018, p. 98). As experiências, a espiritualidade, os costumes e a cultura do “índio latino” são solos férteis para a construção de um saber despretensioso pela hegemonia.

  • Considerações finais

              O “descobrimento” da América pela sociedade europeia alterou a rota da história, do que resultou a constituição de novos centros de produção cultural. Em especial a AL, marcada pelos aspectos socioculturais de sua civilização, apresenta-se como ambiente efervescente para a produção de novos conhecimentos que perpassam questões políticas, econômicas e culturais capazes de estruturar, ainda que parcialmente, os estudos organizacionais.

              Desta feita, invocam-se Misoczk e Câmara (2018, p. 102) para a compreensão de que o desenvolvimento de conceitos e categorias em ambiente plural promove um conhecimento que contribui para “tornar visíveis processos organizacionais que confrontam, no cotidiano, as múltiplas expressões concretas da colonialidade e que, ao mesmo tempo, seja relevante para as comunidades e coletivos em luta”.  Do paradigma, os tapebas são destaque neste ensaio pelas suas batalhas sociais que arrebatam postos de saúde, moradias e “áreas destinadas ao plantio de frutas, verduras e legumes para consumo da própria tribo” (Lopes, 2019, p. 22).

              Misoczk e Câmara (2018, p. 101) defendem, então, que pensar desde a AL significa entender “os limites dos diálogos com as epistemologias eurocêntricas”, limites estes que se ajustam a um harmonioso processo de construção de conceitos e princípios aglutinadores do saber humano universal, “fundado nas experiências e vidas concretas” dos povos e comunidades, destacando-se as américas dos trópicos com seu passado recente marcado pela dominação europeia, que atracou no novo mundo com intenções eminentemente extrativista e com ares de soberba que elevavam o “homem branco” em detrimento dos “selvagens”.

Referências

DENHARDT, Robert, B. e THOMAS J. Catlaw. Teorias da administração pública: Tradução da 7. ed. norte-americana. Disponível em: Minha Biblioteca, (2nd edição). Cengage Learning Brasil, 2016.

MAXIMIANO, Antonio Cesar A. Introdução à teoria geral da administração. 3. ed. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2015.

MISOCZKY, Maria Ceci e CAMARA, Guilherme Dornelas. Pensar desde América Latina em diálogo com a organização das lutas sociais descoloniais: explorando possibilidades. In: RAE São Paulo, v. 60, n. 2, mar-abr 2020, pp. 93-103.

LOPES, Didio. Lições de resistência. In: Revista Plenário: Órgão Oficial da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Ed. 56, mai-jun 2019, pp. 20-29.

Autor:

Hiran Sobreira Teles Filho.

Centro Universitário Estácio e FGV EBAPE

hiran.filho@estacio.br

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio