No posto de saúde, sábado passado (ou seis meses após a primeira aplicação da primeira vacina contra Covid-19 no Brasil):
– Qual será a vacina que a gente vai tomar, hein? – pergunta uma jovem de 37 anos à outra de idade parecida, à sua frente na fila de vacinação.
– Olha, eu não faço ideia, mas a que vier tá bom, né? – responde a da frente.
– Ahhh, eu tô com medo viu? Só vim mesmo porque o povo lá de casa ficou enchendo o saco… Mas to quase indo embora…
– Para, boba! Vacina sim, moça. Você conhece alguém que morreu por causa da vacina?
– Ahhh, conhecer eu não conheço, mas tão falando que é verdade mesmo que essa da China aí eles tão colocando chip pra controlar a gente. É tudo plano deles… Eles inventaram o vírus pra fazer isso mesmo, e os bobo tudo acreditando…
– Mas moça… magina. Isso é fake news que o povo espalha no WhatsApp…
– Ah, não acho viu. Se for a Coronavac eu saio fora!
– Ai moça… fica tranquila que vai dar tudo certo.
– E parece que durante os testes várias pessoas morreram mas eles tão abafando isso pra não causar alarde. Cê acha que vai falar no jornal? Não vai… a Globo tá junto nisso.
A moça da frente, em clara expressão de inconformismo e com bastante ironia, levanta as sobrancelhas, coça a cabeça e aperta os lábios como quem pensa: “Caramba, hein…! O papo aqui tá difícil…”. Já percebera que com a moça de trás não haveria espaço para um diálogo produtivo.
Depois disso, já em tom de chacota, rindo por dentro, a moça da frente pergunta:
– Mas você acha que a cloroquina é boa?
– Olha, moça, graças ao meu bom Deus eu não peguei essa doença, mas várias pessoas que pegaram, o próprio médico passou cloroquina e ivermectina pra tratamento precoce. E deu certo, viu? Nenhuma delas morreu.
E continuou:
– Tô falando pra você! Na TV eles não tão falando a verdade!! É que eles tão ganhando dinheiro com isso né…
– Hummm, entendi. – disse a moça da frente, se fazendo de convencida e já abandonando aquele papo.
E então, finalmente, ela foi chamada para receber a sua tão esperada 1ª dose do imunizante. Com alegria visível pelo sorriso estampado no rosto, a moça se dirigiu rapidamente à salinha de vacinação e já foi levantando a manga da camiseta – estampada, por sua vez, com a imagem do Zé Gotinha – antes mesmo de receber orientação para fazê-lo. Cerca de um minuto depois, prestes a receber a picada no braço, a moça, ainda muito alegre, pediu para a enfermeira esperar um segundo para que ela chamasse a amiga para bater uma foto daquele momento especial.
A enfermeira já esperava por isso e devolveu o sorriso a Adriana. Esse era o nome da paciente da vez. Em poucos segundos, a moça voltou com aquela amiga, feita minutos antes, na fila do postinho. O nome dela era Fernanda.
Adriana e Fernanda: uma, fã do Zé Gotinha, a outra, da Capitã Cloroquina; uma confiante na Ciência, a outra, nas correntes de WhatsApp; uma, feliz da vida porque finalmente chegara o começo do fim da sua angústia, a outra, numa angústia sem fim.
Vacina sim!
Vacina a todos!
E, muito em breve: vacina em mim.
Tanto uma quanto a outra , ambas vacinadas … uma dose de democracia… espero não beber apenas em doses !!!
Democracia em litros! Issaê, Gracieli!