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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Medo

Havia tanta raiva dentro dela, que ela já não se lembrava mais o que era sentir paz.

Ou melhor, não sabia mais se já havia sentido, ou se era apenas a memória de um sentimento que ela nunca teve e nem poderia ter.

Como ter paz se a vida estava sempre em movimento, e se esse movimento sempre parecia levá-la ao caos?

Mesmo quando seu coração buscava tranquilidade, a vida dava um jeito de levá-la para um lugar em que ela não escolheria estar; um lugar de raiva.

Fernanda lembrava com carinho de alguns dias de sua infância.

Se lembrava de momentos em que pôde escolher entre o certo e o errado, sem a sombra do medo da punição, e em sua grande maioria das vezes ela escolhia o certo.

Nem sempre, claro, pois nem Fernanda era perfeita.

Toda criança comete erros, e elas devem aprender as consequências que seus erros causam em outras pessoas.

O que incomodava Fernanda é que algumas pessoas pareciam crescer, aprender, e mesmo assim seguiam fazendo o mal.

Um mal leve, pouco sentido ou percebido, mas Fernanda sabia que era um mal mesmo assim.

Podia parecer que não afetava a ninguém, mas afetava sim, e aos poucos.

E as vítimas desse mal, assim como Fernanda, sentiam raiva.

E essa raiva as tirava mais e mais sua pureza, dia após dia.

E então, com o passar do tempo, apenas uma sombra delas restava.

Uma sombra briguenta, que afastava tudo e todos de perto dela.

Uma sombra com razão, mas sem ninguém.

Uma sombra que confia mais nas garrafas em sua cozinha do que nas pessoas próximas a ela.

Ainda há brilho suficiente para manter a sombra viva.

Mas a noite se aproxima cada vez mais…

…e a sombra, que tanto sentiu raiva, hoje sente medo.

1 COMENTÁRIO

  1. Um conto que mexe com a gente… porque todos conseguimos enxergar o que passa com Fernanda, já estivemos nesse lugar de raiva, agora o que sobra é o medo.

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