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sábado, 30 de novembro de 2024

Função e Disfunção de um Corpo que Fala e Não Quer Calar

O que é Capatacitismo?

Saí do trabalho às 16:00 e como sempre faço passei no shopping próximo ao meu trabalho para pegar Betina. Fui deslizando calmamente em minha cadeira de rodas, olhava as vitrines pouco interessado pelo que via. Encontrei Betina na esquina do corredor de entrada, perto da loja de perfumes. Nos beijamos e subimos ao segundo piso para o setor de alimentação.

Betina usava um short azul e uma blusa branca de alças . Eu, no meu terno cinza, contrastava com o seu modo de se vestir. Éramos namorados há dois anos e íamos bem na relação (uma briguinha aqui outra ali, mas nada que azedasse a relação). Estávamos com uma fome de leão e disposição para comer uma pizza gigante.

– Vamos pegar uma gigante portuguesa e quatro queijos?

– Betina fez uma cara de desaprovação: – Quatro queijos não, pega metade atum.

– O teu pedido é uma ordem. – Pisquei pra ela.

Me dirigi ao balcão, fiz o pedido e paguei. Voltei pra mesa.

Vinte minutos se passaram e, como tava demorando e a nossa fome era grande, voltei ao balcão. Reclamei da demora e me disseram que ia demorar mais um pouco porque havia muitos pedidos e o quadro de funcionários naquele dia tava incompleto. Do balcão acenei para Betina que estava um pouco distante. Acenei várias vezes até que ela me viu. Não, ela não tinha me visto, um rapaz da mesa ao lado é que a tinha advertido: – Olha teu IRMÃO tá te chamando, coisa linda!

Pois é, ainda hoje um homem cadeirante é visto como assexuado ou alguém incapaz de proporcionar prazer a um outro corpo desejado e desejante. No imaginário social das pessoas só podemos ser IRMÃOS, AMIGOS e nunca ardorosos AMANTES. Portanto uma mulher e ainda mais não deficiente, não pode ter nenhum grau de relacionamento sexual com um deficiente. Na cabeça do rapaz não passou um instante que aquelas duas pessoas pudessem ser namorados. Ele não conseguiu ver pra além do seu preconceito.

Voltei pra mesa e Betina me recebeu com um delicioso beijo de língua, depois piscou pra mim e disse: _ Gostou irmãozinho?! _ Naquele instante eu não entendi nada. Só depois é que ela me explicou.

CAPACITISMO é isso. É uma forma de preconceito onde a pessoa com deficiência é vista sempre por aquilo que lhe falta, independente de suas habilidades ou potencialidades. Ela pode ser um gênio em matemática mas se lhe falta a visão, será sempre avaliada em grau menor que todos outros competidores. Na peneira do mercado de trabalho só entra pela COTA. Ainda bem que existe a cota, que é uma tentativa de corrigir uma grave injustiça. Numa sociedade mais justa não haveria necessidade de cotas.

A cidadania da pessoa com deficiência anda muito ameaçada hoje em dia. No atual estágio do Capitalismo, o Financeiro, a produtividade de um trabalhador ou de quaisquer outros assalariados tem que ser buscada para além do limite do humano. As pessoas valem não pelo seu valor intrínseco de seres humanos, mas de meras máquinas produtivas. Nessa perspectiva de gerar o lucro máximo com o mínimo de custos ou despesas, a pessoa com deficiência fica cada vez mais fragilizada diante de um mercado altamente exigente. Na hora de avaliar a pessoa com deficiência, muitas vezes, o empregador usa de critérios capacitistas camuflados para rejeitar o ingresso da pessoa na empresa ou empregando – a num cargo ou serviço muito aquém de suas habilidades ou potencialidades.

– Como posso admitir um engenheiro com visão monocular? Diz o empregador – Sim, o currículo dele é muito bom mas aqui mesmo na fila temos quatro outros com currículos também muito bons. Ele precisa passar por uma perícia rigorosa para provar a sua aptidão para o trabalho.

Muitas vezes na perícia é que o capacitismo se mostra mais cruel. O olhar do perito não é neutro e, quase sempre (podemos afirmar) é carregado de preconceito. Uma avaliação que deveria ser apenas técnico-científica serve apenas para respaldar a decisão do empregador de não empregar o cidadão com deficiência.

A luta contra o CAPACITISMO é uma luta sem quartel. Devemos estar sempre alertas para denunciar ou desconstruir a lógica desumana do capacitismo. Somos corpos que falam e gritam contra as injustiças e nada e ninguém nos calará!

Autor:

Álvaro Eduardo Guimarães Salgado

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