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segunda-feira, 22 de abril de 2024

À sombra do abandono: a solidão de uma alma machucada

Dentro do seu carro, com os vidros entreabertos, Ana acendia um cigarro atrás do outro na tentativa de se ver livre dos pensamentos sobre seu passado. Apesar de ter passado mais de duas décadas, as feridas por ter sido abandonada no altar nunca cicactrizaram e sua amargura diante da vida a deixava cada vez mais distante da sociedade.

Inclinada a não dar espaço para qualquer pessoa se aproximar dela, ela se limitava à solidão dolorida e vazia.

Os pouquíssimos amigos que tinha tentavam alertá-la dizendo o quanto ela estava se isolando, mas ela não dava ouvidos a eles e preferia seguir seu curso sem pensar no quanto estava amarga e rancorosa com a vida.

O amargor que ela sentia era justificável: o passado havia machucado sua alma e ela não conseguia se ver livre da dor que sentia.

Se ilhando cada vez mais de tudo, Ana se escondia em seu quarto ou em seu carro. Sua casa tinha cheiro de tabaco em todos os ambientes e a escuridão reinava em todos os lugares. Ana vivia num mundo completamente sombrio que às vezes era ofuscado por algumas frestas de luz que deixava entrar de vez em quando.

Sua narrativa era sempre voltada para as coisas ruins da vida. Ela conseguia encontrar defeito em qualquer situação, seja num casal aparentemente apaixonado ou nas flores que ela encontrava pelo caminho. Nada estava bom para ela e aquele comportamento deixava todos ao seu redor consternados.

Em nenhum momento ela tentava sair daquele estágio randômico de olhar ao seu redor e achar defeito para tudo ou se entristecer por ela se sentir tão vazia. 

Mesmo as pessoas mais próximas não a via sorrindo há anos com a alma. O sorriso de Monalisa de Ana deixaria desconcertado qualquer piadista.

Por mais que seus amigos tentassem mostrar o lado bom da vida, era inevitável as respostas sarcásticas de Ana. 

Ana tentava, de todas as formas, fazer com que seus amigos mais próximos entendessem os reais motivos dela ser ter sentimentos tão diferentes de todos, mas, não entrava na cabeça deles as inúmeras justificativas dadas por Ana.

A forma dela se expressar deixava a todos boquiabertos com tamanha negatividade. Era difícil dela ser aceita por desconhecidos, mesmo porque ela não dava espaço para isso.

Festa? Jamais ela estaria presente, muito menos baladas. Ela não saía de casa para qualquer tipo de programação. Sua bateria social era zero.

Até que um dia, numa segunda-feira qualquer, a campainha de sua casa tocou e quando ela abriu a porta se deparou com Antonio, o seu grande amor do passado que a deixou plantada no altar. As imagens do embaraço sofrido por ela naquele dia fatídico vieram à tona quando ela foi informada que ele havia fugido com outra mulher, o que a fez se fechar para todo o sempre para qualquer tipo de relação. Ali estava a chave de toda a amargura introjetada em sua alma. Ali estava o responsável por todo seu sofrimento de tantos anos.

Ao se deparar com aquele homem que àquela altura estava grisalho, não deixou de perceber o quanto ele ainda mexia com ela. Por alguns segundos Ana titubeou, mas a crosta do sofrimento falou mais alto.

Não conseguindo se expressar, Ana olhou demoradamente para ele e seu olhar foi o mais sombrio possível. Ela tinha que dar a ele o que ela havia recebido quando foi abandonada.

Antonio até tentou ultrapassar a barreira daquele sofrimento estampado na face de Ana, pedindo perdão a ela e uma chance para o amor deles, mas ele, não conseguindo dissuadi-la, se retirou para todo o sempre, deixando com ela uma carta.

Ao fechar a porta de sua casa, Ana chorou como há muito tempo chorava e ao abrir a carta se deparou com as melhores declarações que uma mulher poderia receber de um homem, mas já era tarde. Ana não conseguiu passar por cima do sofrimento que fora gerado nela e se trancou ainda mais para a vida.

A amargura definitivamente fazia parte de sua alma ela levou todo o seu sofrimento para o caixão.

Autora:

Patricia Lopes dos Santos

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