21.9 C
São Paulo
terça-feira, 23 de abril de 2024

O Galo Garnizé e Suas Estranhas Amizades

Eu tenho um galo garnizé que mora dentro da minha casa e é amigo de um cachorro e de um gato. Na minha casa existem mais dois gatos, que o meu galo garnizé despreza ou odeia, dependendo do momento. Só agora me dei conta que os dois gatos que ele não vai com a cara são duas femêas. Será coincidência, ou será que o meu galo só gosta de animais do mesmo sexo que ele? Acho que é coincidência. Ele apenas retribui a indiferença dessas duas fêmeas com desprezo, quando elas estão na dela, e com agressividade, quando penetram no seu território. Um território mais imaginário do que as linhas do Equador. Portanto, a qualquer momento elas podem ser enxotadas pelo galo por ferir as regras que só ele conhece. Esse galo é parecido com os grandes conquistadores antigos, sempre anexando novos territórios aos seus domínios. 

O elo do meu galinho com o cachorro e com o gato se desenvolveu pela maneira entusiástica como ele foi recebido nesta casa, creio eu. O cachorro Júnior adorava brincar de ficar engolindo a cabeça do garnizé junto com o pescoço. Até parecia um ato obsceno, e deixava o galinho com o pescoço todo molhado. Já o carinho que ele recebia do gato Príncipe nos seus primeiros dias nesta casa foi meio diferente. O gato adorava passar correndo do lado dele, dando uma trombada de corpo quando os dois se encontravam. Era uma provocação. Mas uma provocação carinhosa, pois logo os dois se tornaram grandes amigos.

Apesar de ter ração em casa 24 horas por dia, o meu gato adora sair para caçar ratos e rolinhas. É triste no caso das rolinhas, eu encontro apenas as penas delas no porão da minha casa, e quantas penas, até parece que foi depenado um aviário inteiro! E triste e nojento no caso dos ratos. Sim, sinto pena dos ratos também. Uma vez ouvi um barulhinho agudo se repetindo de maneira insistente, fui ver de onde vinha, e era um filhotinho de rato que o meu gato tinha na boca, e cada vez que ele apertava, o ratinho gritava de dor. Tentei salvar a pobre criatura, mas foi impossível. Esse caso do rato filhote foi apenas triste, mas foi nojento quando encontrei uma massa de carne vermelha no porão. Só descobri que se tratava das carnes hediondas de um rato por uma única pista, o rabinho intacto ao lado desse nojo de imagem. Depois desse dia nunca mais fui capaz de comer Ketchup. Acho engraçado que molho de tomate eu consigo comer. Adoro macarronada. Mas Ketchup eu não consigo mais encarar. Deve ser porque o Ketchup possui uma consistência mais espessa que o molho de tomate, se assemelhando mais àquele monte de carne que até parecia um vômito ensanguentado.

Sempre que o gato Príncipe volta para casa, o galinho faz festa. Costuma bicá-lo, e algumas vezes os dois se pegam e rolam juntos grudados no chão. É muito lindo de se ver. Imagine um gato e um galo abraçados, apesar da anatomia dos dois dificultar o encaixe desse abraço, e vocês terão enxergado a cena.

Esse galo também me ama. Quando eu chego em casa, ele já sabe que estou de volta na hora em que eu ainda estou na calçada e coloco a chave no portão. Antes mesmo de eu virá-la, ele ouve o barulho do encaixe, e já solta um grito diferente de alegria pela minha chegada. Uma recepção muito mais carinhosa que a maioria dos maridos ou esposas recebem do respectivo cônjuge ao retornar. Mesmo que cheguem em casa com a roupa toda molhada de chuva, e o chapéu ou touca pretos como carvão por terem sido atingidos por um raio do céu.

 Eu não cito o nome do garnizé neste texto porque ele não tem exatamente um nome. Eu o chamo mais de galinho mesmo. Às vezes chamo de Cocó. Meu irmão, que não mora aqui em casa, o chama de um nome americano, não sei se Johnny ou Fred, mas para mim não pegou. Afinal ele é um galo, e não um touro do Texas. Felizmente, pois assim nenhum ridículo cowboy de rodeio algum dia montará nele. Isso me fez lembrar da Disneylândia. Porque existem cowboys de rodeio nos Estados Unidos, se uma visita à Disneylândia, que fica em solo norte- americano, é infinitamente mais divertido do que participar de rodeios? Acho que os cowboys sentem medo do ratinho que existe ali, Mickey Mouse, e por sentirem medo de uma criaturinha tão menor do que eles, esses covardes se vingam do seu complexo de inferioridade nos pobres touros.  

Às vezes eu imagino o dia em que encontrarei o meu amigo garnizé morto. Ele ainda é novo, tem 1 ano e meio. Li que pode chegar aos 8 anos de idade. Será muito triste quando eu encontrar o seu corpo sem vida, espero que só daqui há muito tempo. Porém, ninguém sabe, pode acontecer o contrário. Ele pode me encontrar primeiro, dependendo do destino de cada um. Talvez ele nem tenha consciência do meu estado e coma os meus olhos como se fossem ostras sem tempero. Se pelo menos ele chorasse a minha partida, suas lágrimas funcionariam como tempero.

Hoje eu fui dormir mais cedo, estava com uma confusão de idéias que me nocauteou, fazendo-me sentir o peso de um piano no peito. Felizmente eu já estava com todas as minhas obrigações do dia feitas (esta é a única parte da crônica onde eu minto). E nessa última noite o meu galinho dormiu em cima de mim, como se eu fosse um poleiro, e não na prateleira onde ficam alguns livros meus além de várias tranqueiras, que é o lugar em que ele costuma tradicionalmente dormir. Eu acordo várias vezes durante a noite, e volto a dormir logo em seguida. Como vi que o galinho dormia em cima de mim, cada vez que eu acordava eu procurava manter a mesma posição ao voltar a dormir, para não incomodá-lo. Eu só virava quando sentia algum comichão muito forte nas minhas costas ou traseiro, pois tinha medo de que fosse alguma lagartixa ou aranha. Eu não sei se as lagartixas mordem, mas algumas aranhas são venenosas.

Não tenho como saber se foi porque o meu galinho sentiu que eu não estava bem que ele dormiu em cima de mim para me consolar nessa última noite, ou se foi porque esfriou de repente. Ele inclusive adora dormir debaixo do cobertor junto comigo quando o tempo congela de verdade. Já dormimos até de rosto colado, apesar da diferença de tamanho das nossas caras. Ele tem um bico, enquanto eu tenho umbigo. Talvez por isso tenhamos tamanha afinidade. Um animal assim é um amigo de verdade. Se as pessoas fossem como os animais, nós nos apaixonariamos por todas elas, e cada partida seria motivo de tristeza. O mundo então seria um vale de lágrimas onde apenas os peixes de água salgada e as sereias conseguiriam viver.

Autor:

Márcio Lobo

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio