25.6 C
São Paulo
quarta-feira, 24 de abril de 2024

Do Caos à Renovação: A História de uma Mulher que Encontrou sua Própria Essência

Nasci nos anos 80 e cresci sob os cuidados de uma mãe solo. Na infância, ter que explicar a situação de pais separados e a ausência do meu genitor, era uma tarefa árdua. Agora, aos 38 anos, reflito sobre o peso que essa realidade impunha à minha mãe, uma guerreira incansável. Naquela época, o termo “desquitada” era utilizado, carregando consigo um fardo especialmente pesado para as mulheres. Contudo, minha mãe se mostrou inabalável, resistindo aos julgamentos da sociedade para me criar com dedicação e coragem notáveis.

Hoje, enxergo nela um inspirador exemplo de independência e força, um modelo que muitos, incluindo eu própria, deveriam seguir. Com o passar do tempo, percebi como minha família é marcada por mulheres guerreiras, que, mesmo como donas de casa, desempenham um papel vital na sustentação e existência do núcleo familiar.

Mas mesmo com todos esses exemplos dentro de casa, eu fui criada ouvindo histórias de princesas cujo único objetivo é encontrar o seu príncipe encantado para enfim saber o que é ser feliz. Então, além de estudar e ter uma profissão, eu nutri sem perceber esse sonho dentro de mim. Spoiler: eu estava errada.

Eu não posso estar numa coisa se eu não existo

Aos 26 anos, após concluir a faculdade e enfrentar algumas quedas, o destino me apresentou ao amigo de uma amiga. Ele emanava uma aura positiva e, apesar de algumas expectativas não serem atendidas (acredito que de ambos os lados), nós dois compartilhávamos a determinação de construir algo especial. Nosso relacionamento era uma brisa refrescante, finalmente alguém com quem partilhar tristezas e alegrias. Como filha única, sempre carreguei uma sensação de solidão, mas sua presença começou a preencher esse vazio ao longo do tempo.

Após seis meses, decidimos morar juntos. Pode parecer precipitado, mas a conexão era profunda, como se já nos conhecêssemos há muito tempo. Apesar de nossas famílias terem histórias e perspectivas de vida distintas, ele se tornou meu complemento, a peça que faltava em mim.

Alguns incômodos surgiam, mas nada parecia insuperável para esse jovem casal. As brigas eram raras, predominavam as conversas, risadas e até lágrimas compartilhadas. Eu estava lá por ele e ele por mim. Nossa parceria era excepcional, fundamentada em alicerces sólidos que impediam qualquer abalo. Até nossos silêncios eram preenchidos de companheirismo. Conhecíamos nossas diferenças, mas também respeitávamos os limites um do outro. Assim, seguimos adiante, e esses foram anos repletos de felicidade.

No ano de 2019, nossa trajetória deu uma reviravolta significativa: ele recebeu uma proposta de trabalho no exterior. Sem hesitar, abandonei alguns projetos pessoais em curso e nos lançamos à aventura no Velho Continente. Desde sempre, carregava a convicção de que o amor deveria ser fundamentado na cumplicidade e na busca conjunta pelo crescimento, tanto como casal quanto como indivíduos, rumo a um futuro próspero. A oportunidade profissional era dele e, como um dos pilares essenciais de qualquer relacionamento é a capacidade de ceder em prol de um objetivo comum, decidimos vender todos os nossos pertences para recomeçar em um novo lugar.

Enquanto eu lutava para me adaptar a uma nova nação e cultura, comecei a sentir uma crescente solidão. Ele, por sua vez, estava conhecendo mais pessoas, trilhando um caminho ascendente em sua carreira e, ao mesmo tempo, introduzindo críticas sutis no meu dia a dia. Essas observações abrangiam desde detalhes simples como uma nova disposição dos móveis até a maneira como eu me expressava e pensava. Gradualmente, ele passou a envergonhar-se do meu “sotaque abrasileirado”, a tecer pequenas críticas sobre minhas preferências pessoais e até mesmo do meu estilo de vida. Cada ação minha, sem exceção, parecia insuficiente aos olhos dele.

Inevitavelmente, a depressão que já havia sido diagnosticada anos atrás retornou com uma intensidade avassaladora, mergulhei então em um mundo sem sentido. Hoje, olhando de fora, percebo que eu era a intrusa no meu próprio relacionamento, no meu próprio lar. Minhas opiniões raramente eram consideradas, e até mesmo pessoas externas tinham mais influência na nossa rotina do que eu. Comecei a sentir como se minha própria existência estivesse se apagando, minha dor era sempre diminuída aos olhos dele, enquanto os sacrifícios e desrespeitos que vinha suportando pareciam prestes a explodir.

Por várias vezes, pensei em pôr fim à minha vida, e até mesmo tentei fazê-lo. Para aqueles ao meu redor, eu aparentava estar feliz, mas dentro de mim havia medo. Um medo avassalador de ficar sozinha me levou a suportar um fardo mais pesado do que acreditava ser capaz.

Apesar do meu profundo interesse por temas ligados à psicologia e ao comportamento humano, a ideia de que eu poderia estar envolvida em um relacionamento abusivo estava completamente descartada. Afinal, ele parecia tão incrível! Um homem otimista, inteligente e amável, amigo de todos e sempre pronto para ajudar. Mesmo quando lançava suas críticas em minha direção, ele o fazia com uma voz suave, como um “ato de amor”.

Pré requisitos

Uma noite, logo após retornarmos de um fim de semana em Veneza, onde fomos por sugestão dele, para comemorar uma década de relacionamento, ele pronunciou palavras que abalaram o meu mundo: não queria mais continuar. Era algo que eu não esperava, embora devesse. Nesse momento, nossa história inteira passou diante dos meus olhos, e enquanto ainda estava atordoada, ele acrescentou que eu “não atendia mais aos pré-requisitos necessários para ser sua companheira”. Era como se eu tivesse sido reprovada em um processo seletivo. Essas palavras duras, proferidas com suavidade, ainda ecoam dolorosamente em meus ouvidos.

A urgência de se libertar de mim era tão forte que ele me despachou de volta ao Brasil como se estivesse enviando um objeto para reciclagem. Enquanto eu arrumava minhas malas, suas risadas ecoavam na sala, enquanto assistia à TV ou mantinha conversas ao telefone. Enquanto eu me sentia perdida e desamparada, ele proclamava que minha decisão de ir para outro país havia sido por minha própria conta e risco, e que ele não possuía nenhuma responsabilidade nisso. De fato, ele sugeriu que talvez não agiria da mesma maneira caso as circunstâncias fossem invertidas.

Dentro de 5 dias eu estava de volta. Sozinha, carregando um fardo de infelicidade, envergonhada pelo que considerava meu fracasso, e enfrentando a necessidade de começar de novo sem saber por onde começar. Nada parecia capaz de aliviar a minha dor. Com o tempo, fui compreendendo que muitos aspectos de quem eu era ficaram para trás em prol de um relacionamento que não deu certo. Eu, que sempre tive dificuldade em entender minha própria identidade, me esqueci completamente de mim mesma. Minhas vontades se fundiram com as dele. Suas conquistas se tornaram as minhas. Meus esforços, tanto físicos quanto mentais, eram todos direcionados a um único objetivo: construir nossa vida juntos. Mas isso era pouco pra ele e agora, tudo havia chegado ao fim, e no reflexo do espelho, eu mal me reconhecia.

A culpa sempre foi uma companheira constante em minha jornada, e durante muito tempo, eu me convenci de que era a única responsável por tudo isso. Afinal, ele sempre se mostrara uma pessoa excepcional, então naturalmente, a conclusão seria que eu estava errada. Mas estava mesmo?

Força na Fragilidade

Hoje, quase três anos após tudo isso, enxergo esses eventos como uma valiosa lição. Ao longo do tempo, percebi que passei por um processo semelhante à fagocitose, onde todas as minhas células se uniram para me possibilitar um renascimento. Nesse percurso, enfrentei uma autoestima que estava no fundo do poço. Foi nesse momento que me deparei com o trabalho de Alberto Martinez, cujo projeto fotográfico “Revelando a Beleza Real” visa iluminar mulheres acima de 35 anos, que carregam uma bagagem de vida, uma história para contar, mas que haviam esquecido de sua própria essência e força.

Hoje, aos 38 anos, não possuo mais o brilho juvenil que tinha aos 26. No entanto, em contrapartida, vejo em mim uma mulher de força, alguém com histórias para compartilhar e conselhos para oferecer. E apesar de ser uma pessoa divorciada, algo comum nos dias atuais, reconheço que trago dentro de mim ao menos um fragmento da mesma coragem que minha mãe exibiu ao longo dos anos.

O trabalho com Alberto Martinez efetivamente marcou um ponto crucial em minha jornada, cultivando em mim um crescimento suave, doce e natural. Uma perspectiva completamente nova sobre minha própria identidade emergiu, revelando que o término de um casamento não representa o fim, mas sim o começo de algo fresco. Uma sensação de fluidez está se renovando dentro de mim. Tudo está voltando ao seu lugar em meu interior, e hoje reconheço que a essência de um relacionamento não é prender âncoras, mas sim permitir o desabrochar das asas. Se um relacionamento não é capaz de impulsionar seu voo para alturas ainda maiores, então é hora de sair dele e fazer voo solo.

Autora:

Ariadne é publicitária, leonina e mãe de pet. Nas horas vagas gosta de ler e ajudar mulheres a se redescobrirem dentro da sua própria história.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio