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quarta-feira, 24 de abril de 2024

A dor do quase

É comum na vida de nós seres humanos fazer planos, um bom lugar para morar, planejar uma festa com os amigos, uma surpresa de aniversário ou até mesmo aquela tarde especial para cuidar de nós mesmos, que deveria sempre ser colocado em primeiro plano. Quando algo não sai como o esperado, as vezes a raiva vem, o estresse pode consumir nossa cabeça com aquela tarde de descanso que foi pelos ares, passamos um dia inteiro de cara amarrada por um plano malsucedido, o mal humor é inevitável, há quem consiga relevar, há quem não esconda o desgosto.

Talvez aquele plano que foi por água abaixo, como um jantar, a compra de algo especial, um doce que estávamos desejando ou aquela viagem de descanso pode nos causar uma imensa irritação por dar errado, ou nem chegar a se consumar. Mas o que de fato nos atormenta e, corrói os nossos corações é o quase. O quase é capaz de tirar o nosso sono, de nos fazer refletir por dias deixar qualquer um deprimido.

A dor do quase entristece qualquer um que em seu corpo pulse um coração que anseie por amor, por uma paixão, por viver a intensidade dos dias de aproveitar a felicidade que depositamos nos planos que fazemos. A dor do quase é uma melancolia para quem fez planos e idealizou um amor, de quem se viu apaixonado e quis com toda forçar estar ao lado da pessoa amada, mas o destino é controverso e tão somente os planos não saem como o conforme e temos que conviver com a dor de quase ter acontecido.

A dor do quase machuca, vivemos nos pensamentos contínuos do que poderia ter acontecido, do que poderia ter se tornado, deixamos muitas coisas escapar pensando em algo que não tem mais como mudar, que se tornou meramente um se. E se tivesse acontecido assim? E se eu tivesse feito dessa forma? O se é uma forma dolorosa de enxergar as possibilidades depois que as coisas que queremos e desejamos tornaram-se um quase, quase aconteceu! Quase foi isso ou aquilo.

A dor do quase perturba em todas as idades, desde os menos vividos até os mais sábios. Quando não sabemos, temos medo de ter perdido algo precioso, de não ter aproveitado ou de ter vivido pela metade, pois o não saber torna o quase, algo tenebroso, algo que deixamos de viver e que possivelmente seria bom. Quando somos sábios o quase não é mais uma incógnita, nos damos melhor com ele, porém continua a ser um vazio que nada preenche. O quase torna-se uma saudade que acolhemos como velha lembrança do que poderíamos estar fazendo se o quase tivesse se tornado concreto, palpável, este certamente mudaria muita coisa do nosso eu de agora.

É a dor do quase que nos faz pensar em algo, em alguém, em momentos… é a dor do quase que nos faz ir profundamente em nossas doces ou amargas lembranças e rememorar aquele quase encontro, aquele quase abraço, aquele quase beijo, e mesmo que estes venham a acontecer, é a dor do quase que nos faz lembrar que estas situações quase foram um romance, quase tornaram o momento mágico, quase nos fizeram crer que o amor tudo suporta, e que ficar juntos é uma conspiração do universo e que tudo tem seu propósito.

É a dor do quase que tornam esses acontecimentos em momentos gravados apenas na memória, que muitas vezes não queremos lembrar, porque dói, sufoca entristece e nos faz ver a quase felicidade que precisávamos, pois para quase todo ser humano é o amor.

É a dor do quase que faz também o contrário, lembrar desses momentos, do que poderia ter sido, e como estaríamos agora.

É a dor do quase que nos pega de vez em quando pensando como estaríamos no sábado à noite, como seria ir ao cinema de casal e comer pipoca juntos, é a dor do quase que nos deprime ao pensar como estaríamos em uma viajem a dois, como seria partilhar as histórias e segredos durante a noite, como seria cuidar e ser cuidado, como seria chegar cansado ou triste depois de um dia exaustivo de trabalho e ter um colo para se apoiar, como seria ter um braço para um bom carinho, como seria ter uma palavra de conforto para aqueles dias de fragilidade, a dor do quase arruína nosso psicológico pensando no talvez, o que talvez devêssemos ter feito para remediar essa dor de agora causada pelo quase, o que talvez estaríamos vivendo agora, ou se estaríamos…

É a dor do quase que consome, as músicas que ouvimos não alegram, ou trazem recordações que queremos deletar da mente. A dor do quase se apega em nosso peito e suga o que temos de melhor, por trás do nosso sorriso sempre terá uma pontinha de tristeza, de segurar as rédeas da situação mesmo estando exaustos. A dor do quase deixa marcas, criamos cicatrizes, cascas duras e quase impenetráveis, nos fechamos para o mundo, e tudo que é visto de nós não chega a um terço do que acontece por dentro, pois apenas e unicamente nós sabemos os estragos que foram feitos, o estado como estamos e o tempo que levará para arrumar a bagunça.

Uma ferida mesmo depois de cicatrizada pode doer, transcende o corpo, dói na nossa existência, no nosso acreditar, nos sentimentos. É o quase que dói, que produz cicatrizes que se enraízam nos mais profundos pensamentos e lembranças que tornam a dor indelével, que tornam aquele momento precioso por ter sido quase concreto, de quase ser como queríamos, de quase ser em ato o que um dia imaginamos ser potencialmente feito.

Autor:

José Wellington Freire Rodrigues. Pedagogo.

Brasileiro, Residente na cidade de Araripe-CE. Professor do ensino fundamental

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