O policial inicia o interrogatório e diz:
— Um imigrante vietnamita, que possui passagens na polícia por venda de produtos falsificados, foi interceptado com cartões de visita com seu nome e deu sua exata descrição física. Como você explica isso, Hernandez?
— Primeiramente, meu nome é Mário. — respondeu o interrogado — Passei boa parte da minha vida trabalhando como encanador em São Paulo. No fatídico dia 2 de agosto de 2008, atendi um senhor em seu apartamento. Ele me disse que eu deveria buscar os 64 caminhos, alguma espécie de teoria da conspiração que não acreditei de início. Entretanto, o senhor foi assassinado misteriosamente e decidi ver até onde isso ia. Por sua indicação, viajei até Istambul e fui a um hotel, onde me provei o escolhido para desvendar os 64 caminhos. Um homem misterioso que falava em rimas me disse para ir até o lugar onde o
falso é recorrente. Por raciocínio, fui até o distrito industrial de Pequim, onde descobri um esquema internacional de tráfico de produtos falsificados. Nesse momento, fingi que era o chefe da empreitada, Hernandez, para poder escapar da fábrica e acabar com o próprio. Num ato de esperteza, sem querer me gabar, pedi que me dessem um voo para Assunção e me entregassem cartões de visita com o endereço de Hernandez, para que eu pudesse acabar com esse grande esquema.
— Já estamos na sua cola a muito tempo, Hernandez. Mentir para a polícia é seu mais novo crime. E tenho de reconhecer, que grande mentira!
— Policial, eu te juro por tudo que é mais sagrado: eu busco a verdade acima de tudo. Dediquei dois meses da minha vida para investigar isso e o que eu descobri é surpreendente. O verdadeiro perigo, o verdadeiro Hernandez, está na rua Presidente López, 65!
— Mal sabe você que esse endereço foi abandonado por um famoso milionário no ano passado que se mudou para o Brasil. Você tem demência ou apenas finge?
— Que espécie de polícia é essa que apenas acusa e não aceita informações?
— É, você é demente. Fico impressionado que conseguiu criar um império de produtos falsificados sendo tão idiota. Nessa sua historinha existem vários furos. Por exemplo, por que o homem falava em rimas? Por que você é o escolhido? Por que o senhor falou que 64 era uma espécie de número místico que aparece em todos os lugares?
— Um segundo… — disse Mário hesitante — Eu não te falei das coincidências do número 64. — O policial parou de rir de Mário e fechou a cara. Em seguida, disse:
— Você diz que busca a verdade, mas não tem nem ideia do que é a verdade. Não sabe o seu sabor, não sabe o cheiro ou a cor. Não que a verdade possa ser alcançada dessa forma, mas você não sabe disso. Você não sabe se isso é uma crônica, um conto, uma coluna ou um documentário. Portanto, acorde, o mundo precisa de você.
Mário acordou. Estava deitado debaixo de uma pia e sua cabeça doía. Uma voz senil gritou preocupada:
— Dios mio! Você está bem?
— Eu acho que estive desmaiado. Sinto como se tivesse batido a cabeça em um cano, mas estou me recuperando.
— Isso é grave. Fique sentado e descanse, vou lhe trazer um copo d’água. — Mário olhou em volta. Estava de volta na casa do senhor. Havia tudo aquilo sido um sonho?
— Aqui, pegue. — disse o senhor enquanto lhe entregava um copo com água, a qual estava meio esbranquiçada.
— Muito obrigado. Qual é o seu nome mesmo?
— Hernandez, Gabriel Hernandez. Sou paraguaio, mas me mudei para o Brasil pois, digamos assim, as regras do mercado estavam prejudicando meu comércio. — Mário largou o copo numa bancada, se levantou ainda meio tonto e disse:
— Vou dar uma olhada nesse galo no médico e volto pra ver essa pia amanhã, pode ser?
— Claro. — respondeu o senhor sorrindo. Mário deixou o apartamento e vagou pelas ruas cheio de questionamentos. Tudo isso fora real? Havia desmaiado com um cano e sonhado? Ou realmente havia descoberto tudo sobre os 64 caminhos? Cambaleando, disse para si mesmo:
— Eu que não me meto numa dessas!
Os 64 Caminhos(4)
