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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Lar, Doce Lar

Quando cheguei ao trabalho ela já me aguardava com o cachorrinho nas mãos. Ele só escapara das chamas porque naquele momento lhe dava banho e isso a confortara bastante, pois a casa poderia ser e estava sendo refeita, mas o cãozinho…

O incêndio a destruíra completamente. Quando os moradores perceberam já não havia mais o que fazer, mas felizmente ninguém se feriu. Todos sentiram muito, principalmente

a menina que devia ter uns oito anos. Não era de falar muito, na verdade quase nada. Respondia afirmativamente ou não com a cabeça, apenas.

Ver uma criança triste realmente é de cortar o coração, então fui logo pegando as ferramentas para concluir o serviço, pois como lhe prometera sua nova casa seria entregue naquele dia, e faltava muito pouco a ser feito. Ela sequer se sentou. Ficou ao meu lado observando os detalhes.

Com a autorização de seus pais, a nova casa teria, a seu pedido, as mesmas cores da anterior: a cozinha, sala de jantar e a sala seriam brancas; um dos quartos azul, e o outro rosa. Os corredores, a área de serviço, a sacada e o pequeno quintal um tom bem claro de verde. Toda a mobília seria idêntica, sinal que para ela aquele era mesmo um lar, doce lar, onde adorava brincar.

E de pensar que o incêndio fora criminoso. Uma atitude infantil de seu irmão causara toda aquela destruição, mas já soube de muitos casos em que ciúmes, mesmo em família, terminaram em verdadeiras tragédias. Uma pena, ainda mais para alguém “da paz” como ela, que sempre usava camisetas temáticas pela salvação das baleias, proteção das tartarugas marinhas, ou pelo desarmamento.

Bem, estava concluída e quando disse que havia terminado, um dos sorrisos mais lindos que já vi recompensou sobremaneira meu trabalho, que realmente ficara tão bom quanto o anterior. A vantagem de se trabalhar com maquetes é a possibilidade de se reproduzir rapidamente um mesmo trabalho quantas vezes forem necessárias. Basta ter o material em mãos.

Entreguei-lhe a casa, e antes de tomá-la de minhas mãos com aquele lindo sorriso ainda se prolongando, colocou o cachorrinho de plástico na sacada e aí sim levou-a com todo o

cuidado. Ainda pude ouvir seu irmãozinho mais novo que a aguardava na porta da loja prometer-lhe que nunca mais faria aquilo novamente.

Autor:

Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).

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