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sábado, 27 de abril de 2024

Coordenação motora e a síndrome de Lasefoia

Dizem que depois dos 60 anos, o corpo todo começa a doer. Quem não sente dores ao amanhecer, deve olhar ao redor. Se estiver entre nuvens ou labaredas, com certeza morreu! Porém, pior que sentir dores pelo corpo é ouvir as conversas que rolam na antessala dos consultórios médicos. É cada coisa que o povo fala que até o que não doía começa a doer. Parece competição para saber quem levou mais pontos, foi operado mais vezes, tem dores mais fortes ou conhece tratamentos alternativos. Sempre aparecem sugestões de tratamentos à base de chás, ervas, unguentos, emplasto, garrafada, elixir e até simpatias. Se sabem como tratar, por que vão ao médico?

O pedreiro Waldisney Silva, 78 anos, cabra arretado, é dos poucos homens na sala de espera. Chegou cedo e é o terceiro da fila. Enquanto aguarda, ouviu Sidileide ensinar à Jessivânia a receita de pomada de fígado de gambá com Espinheira Santa e Dente de Leão. Tiro e queda para hemorroidas. O marido tem problemas na próstata e melhorou com tônico à base de banha de urubu, Jurubeba gema de ovos de codorna e catuaba. Também fez crescer o cabelo e o sexo melhorou muito. Estão até pensando em vender o produto nos trens do Metrô.

A atendente chamou Waldisney para completar a ficha e perguntou qual é o problema. Ele falou que doí o ombro e o braço direito. Ela quis saber como começou, ele pensou e disse que foi por causa de uma coisa pessoal e íntima. Tentou obter detalhes, porém ele insistiu que só ia dizer ao doutor. Ela sorriu com ironia e sua mente poluída imaginou um montão de coisas íntimas. Anotou a HD – hipótese diagnóstica – na ficha e disse:

  • Pode sentar senhor Waldisney. Logo a doutora irá atender.
  • Doutora?
  • O doutor Anacleto está numa emergência e quem vai atender é sua assistente, a doutora Clarice. Ela é muito sabida, viu!

Waldisney imaginou o constrangimento, mas chegou sua vez. Pensou em desistir, mas desistiu de desistir. A dor nem é forte, mas a limitação nos movimentos causa situações embaraçosas.

  • Bom dia, eu sou a doutora Clarice. O que houve senhor Walt Disney?
  • É Waldisney dotôra. O braço dói tudinho, do ombro até a mão. Também num consigo se abaixá direito e dói a base das costa.
  • Como foi que isso aconteceu?
  • Foi durante as intimidades. Eu senti a fisgada e agora num consigo mais fazê aquilo direito.
  • O senhor é casado, tem 78 anos e ainda abusa das intimidades? Também pratica sexo solitário?
  • Num faço isso desde os 14 anos dotôra, graças à Dorinha.
  • Namorada?
  • Não. Uma cabrita que ganhei do padrinho. Lá no sertão a gente..
  • Já entendi. Poupe-me dos detalhes. Conte como foi a contusão.
  • Então, na primeira e na segunda foi tranquilo, mas na terceira….
  • Terceira? Nossa! Na sua idade? É sempre assim?
  • Todo santo dia dotôra. Até a minha muié Romirda já se acostumô.
  • Nossa! Bem, senhor Waldisney, eu recomendo que o senhor fale com sua esposa e mude de posição, entende? Se o senhor ficar com as costas no colchão, não fará esforço com os braços.
  • Num tô intendendo, dotôra. O que a Romirda e o colchão tem a vê com meu pobrema. Eu sofro é com a atividade íntima.
  • Mas não foi durante o sexo que o senhor luxou o braço?
  • Não, dotôra. Eu fico até avexado di contá.
  • Se o senhor não contar, não poderei ajudar! 
  • Eu sofro de intestino sorto. Vô ao banheiro 2 ou 3 veis por dia. Domingo, na terceira, o rolo de papel iscapô da mão, estiquei o braço prá pegá e senti a fisgada. Na hora de fazê meia vorta prá completá a higiene, eu senti dor nas costa e travô tudo.
  • Sei. Por que o senhor não se higienizou com a outra mão.
  • Eu tentei, mas num tô acostumado, errei na mira, a mão inroscô na tampa do vaso e o relógio caiu lá drento. Aí eu fui levantá prá pegá, apoiei na descarga e o relógio foi imbora junto. Presente da Romirda.
  • Que chato! Mais algum problema?
  • Sim. Tá difíciu abaixá, amarrá butina, o café dá queimação, sinto coceira no mucumbu, zumbido no ouvido e carne seca tá me dando azinha.
  • É azia, senhor Waldisney. Acho que o senhor está com Lasefoia.
  • O qui é isso dotôra?
  • Síndrome de Lasefoia. La-se-foi a juventude, seu Waldisney! Seu problema é a idade. É veiera! Vamos fazer o seguinte: eu vou passar umas sessões de fisioterapia. As meninas são muito boas e vão ajudar a recuperar os movimentos do braço, mas o trabalho é lento e demora semanas para dar resultado.
  • E enquanto isso? Como eu me limpo?
  • As meninas vão treinar o senhor para usar a mão esquerda.
  • Dotôra, agradeço, mas prefiro fazê no mato, arrastá sentado na grama e despois tomá banho. É muito vexame, nessa artura da vida, as menina tê qui me insina limpá as parte.
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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