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segunda-feira, 29 de abril de 2024

O sagrado na sexualidade humana

O assunto “sexo” _ou mais propriamente “sexualidade”_ atravessa milênios como a coisa que mais causa atração e repulsa, é um eterno “tabu”, por mais que se fale a respeito, visto que há, sempre, um “recolhimento”, um “dosar as palavras” ou, por vezes, exacerbá-las. A palavra “tabu” é de origem polinésia e deriva do Tonganês “tabu” e do Maori “tapu”, sendo traduzida como “proibido”, “não permitido”. A palavra se referia, originalmente, a um fundamento religioso que atribuía sacralidade a certos seres, objetos ou lugares, com os quais, devido tal fundamento, não se poderia ter contato direto, recebendo vaticínio de terríveis males, incluindo a morte, como que por mandamento de algum Espírito ou alguma Divindade, caso a pessoa tentasse ter contato direto. Embora a intenção dos chefes-sacerdotes tenha sido manter seu poder sobre a tribo, evitando questionamentos, há um aspecto positivo na aplicação do termo “tabu”, nos dias de hoje _ignorado por praticamente todas as pessoas. Estando, “tabu”, originalmente associado ao “sagrado”, e considerando que, a palavra “sagrado”, vem do Latim tardio SACRUM, que significa “separado”, “protegido de tudo”, “protegido pelos lados”, podemos começar a ter uma diferente visão sobre a palavra “tabu”, reconceituando-a. O termo “sacro”, por sua vez, deriva de “SACRUM”, e foi introduzido como termo técnico em estudos de anatomia em meados do século XVIII, sendo traduzido do Grego ????? ?????? para o Latim. O termo ????? ?????? (ìerón òstéon) foi encontrado nos escritos de Galeno, fazendo menção a uma estrutura ossea bem proximoa à genitália, contornando-a. Em Hebraico, para “sagrado”, temos ??????? (qadowsh) referindo-se à alguma área, lugar ou algo “protegido ou fechado por todos os lados”. É, no mínimo, interessante, que a palavra “sagrado”, “santo” (“santo” é equivalente a “sagrado”) tenha relação direta à região anatômica em que se encontra o órgão sexual.

Sexualidade é, sempre, um assunto que gera incômodos, pois infelizmente, umas pessoas acham que a sua é a correta e, consequentemente, considera a de outras como pecaminosa ou fora do “cientificamente comprovado”. O ser humano não é, biologicamente, monogâmico, mas poligamico. Porém, ele não é apenas biológico, e sim, biopsicossocial; há inter-relação dos aspectos biológico, psicologico e social, predominando este ou aquele, nesta ou naquela pessoa. O “certo” e o “errado” é sempre o “certo” e o “errado” de cada pessoa; a consciência do indivíduo deve ditar-lhe o que é, para este, o certo e o errado, pois a autorrepressão é um mal que, em médio ou longo prazo, pode causar danos irreversíveis! Precisamos de autoconhecimento no que se refere à sexualidade,  coisa que, devido nossa tendência a recalcar desejos, sob a tirania da sociedade, com seus hábitos e costumes, não é nada fácil de realizar. A pessoa, em grande parte das vezes, afirma ser deste ou daquele modo sem dar-se conta de que se comporta de tal maneira por indução sócio-histórica e/ou por neuroses motivadas por experiências de abusos sexuais ou em relacionamentos de modo geral. Faz-se necessário “situar-se” em seu próprio contexto, de maneira consciente, ao em vez de, simplesmente, “ser situado” por algum contexto sócio-histórico. Sua sexualidade precisa ser, de fato, sua! Mas além da “preservação do sacrum”, isto é, do “sagrado sexual”, como não sucumbir aos apelos de nosso tempo, que “devora os relacionamentos”?

Estamos vivendo em “tempos pós-podermos…”. Faz-se necessário a busca de um equilíbrio, pois são “tempos velozes”, que exigem de nós, em todos os aspectos da vida, agilidade, criatividade, ousadia…, inclusive no que se refere à relacionamento conjugal. Muitos relacionamentos, fundamentados em parâmetros equivocados, sucumbem a essas exigências. Nossos sentidos todos, como o visual, o olfativo/gustativo, o tátil…, e mesmo um mix de todos, em graus elevadíssimos, são estimulados todos os dias. Os tempos atuais nos oferecem tudo e todos para ver, para ouvir, tocar, cheirar, saborear…, de maneira que “saltamos de uma coisa para outra”, saltamos “de uma pessoa para outra”, como famintos à mesa de um banquete oferecido por algum rei, traindo-nos mutuamente. Assim fracassando, mentimos a nós mesmos, dizendo: “Quero estar sozinho (a), curtindo momentos de prazer em encontros casuais”. De fato somos impelidos a experimentar todos os sabores, todos os sons, todas as texturas, sentir o amplo leque das temperaturas corporais… Os relacionamentos, frente aos referidos apelos, “se dissolvem” ou “se enrijecem”, perdendo a leveza de um gozo cada vez mais intenso, próprio de relacionamentos amadurecidos, de pessoas que entendem, que distinguem entre aspectos sociais e aspectos biológicos no comportamento sexual, aprendendo a “fundi-los” na medida certa. E a “medida certa” é sempre aquela que é para da própria pessoa, nunca por sujeição a vontade ou opinião de terceiros.

“Mundo líquido” _disse Sigmunt Bauman_ se referindo a diversas questões de relacionamento humano. O que fazer frente ao nosso “mundo líquido”? Como não ser “dissolvido” nem “endurecido” por causa dele? Faz-se urgente, especialmente nos relacionamentos, encontrar o “ponto certo” entre a “liquidez” e a “rigidez” que o “mundo líquido” tende a gerar em nós. Quando se é “líquido”, a tendência maior é de se “endurecer” para não “evaporar”, e quando se é “endurecido”, “rígido”, a maior tendência é de se “dissolver”, se “liquidificar” para não “quebrar”. A solução está em administrar bem ambos os “estados”, sendo “massa modelável”, entre “liquidez” e “rigidez”, para não nos perdermos em um ou em outro extremo.

Os relacionamentos que vencem as exigências de nossos dias são os que assimilam as exigências da contemporaneidade, que “se movem com elas” sem jamais serem por elas “movidos”. Os que sucumbem a tais exigências são aqueles em que as partes envolvidas tornam-se “algemas” ou “grades” uma à outra, “cárcere” e “carcereiro” ao mesmo tempo. Convém resaltar que é possível e mesmo bastante comum que uma pessoa “prenda outra e/ ou a si mesma, na própria liberdade”; uma “liberdade imposta” e/ ou “autoimposta”, que é, sempre, uma espécie de “corrente nas pernas e nas mãos”.

Devemos “preservar o tabu”, isto é, “o sagrado”, aquilo que compete somente à nós mesmos, fazendo valer a expressão “vida íntima”, “vida privada”, principalmente tendo encontrado o nosso “ponto certo”, o “ponto de equilíbrio entre aspectos biológicos e psicossociais da sexualidade”.  Eis o sentido positivo de “tabu” no que se refere à vida sexual. A sua vida sexual diz respeito à você! Não permita que interfiram ou que tirem dela essa característica do “sagrado”, tornando-a tão sem valor por fazer que toda e qualquer pessoa saiba como ela é. Valorize a si, a sua vida sexual e àquelas poucas pessoas que, de fato, merecerem que ela seja com elas compartilhada.

Autor:

J. Cesar Tólmi – Psicanalista, filosófo, pós-graduando em Neurociência Clínica, jornalista, artista plástico autodidata, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social.

Obs.: o texto foi extraído de MULTISSEXUALIDADE: caminhos e descaminhos, livro disponível na  Uiclap e Amazon.

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