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domingo, 5 de maio de 2024

O Jornalista que não tinha medo de nada

Essa crônica vai contar a história de Moisés Santana, um jornalista político do final do século XIX e início do século XX, que com uma história real, mas semelhante à mais espantosa história de ficção; fugiu de Goiás após ser ameaçado, mas encontrou seu final trágico, ao ser morto na redação do jornal Lavoura e Comércio na cidade de Uberaba.

O nome do jornalista sempre nomeou prédios públicos, praças e ruas. No entanto o aspecto de seu trabalho jornalístico, em uma época em que a imprensa era uma ferramenta essencial na vida social é de certo modo desconhecida, não só para membros da imprensa atual, como para os goianos em geral.

O foco não é lembrar seu destino trágico, mas sim ressaltar sua carreira como incentivador da imprensa goiana e brasileira, e acima de tudo seu talento e personalidade combativa.

FAMÍLIA E VIDA PÚBLICA

Moisés Augusto Santana nasceu em 07 de fevereiro de 1879 na então capital Vila Boa (atualmente Cidade de Goiás). Era filho de Joaquim José Santana e Bárbara Augusta Alves de Castro Santana.

Em seu trabalho Aventuras Feministas nos Sertões de Goiás, Do Prado (2019) descreve que a casa de Bárbara Santana era um espaço de encontro de intelectuais, onde a música e educação eram cultuadas. Além disso é importante ressaltar que a irmã de Moisés Santana, Alice Augusta de Santana Coutinho, escrevia

para o jornal A Rosa, que circulava em Vila Boa e contou com a colaboração de outras mulheres, entre elas a escritora Cora Coralina.

Ele iniciou seus estudos no Lyceu de Goyaz; instituição que nos primeiros anos da república era frequentada pela elite de Vila Boa, o que o tornava um ambiente com poucos alunos. Também frequentou o Seminário Santa Cruz que naquela época não recebia apenas jovens que pretendiam se tornar padres e religiosos, mas também outros jovens das famílias de prestígio locais, uma vez que o ensino era considerado de grande qualidade.

Assim como a grande maioria dos jovens da época, Moisés Santana deixou Goiás e seguiu a carreira militar, tornando-se aluno da Escola Militar da Praia Vermelha. A formação militar de Santana teve extrema importância, tendo ele anos depois combatido na Guerra de Canudos e Guerra de Canudos.

Os seus demais livros Vultos e Fatos de Goiás, A Família do Anhanguera, Em torno de Zebu; assim como sua colaboração em jornais e revistas tanto de Goiás, quanto do Rio de Janeiro e São Paulo, tinham as mesmas características. Eram espécies de ensaios que discutia política e problemas nacionais; mas tinha como detalhe importante a valorização da cultura goiana e o jornalismo voltado para o ambiente de Goiás na época.

Um dos exemplos mais emblemáticos foi a revista A Informação Goyana, que Santana fundou ao lado de Henrique Silva, Americano do Brasil, Olegário Pinto e J.J. Curado. De acordo com Borges (2008) o objetivo da revista era tornar Goiás conhecido e admirado. A revista circulou no Rio de Janeiro, Goiás e outros estados entre 1917 e 1935.

Moisés Santana sempre foi um funcionário público simultaneamente com a profissão de jornalista. Em 1905, se tornou Deputado Estadual, cargo que ocupou até 1908. Também foi Procurador da República de Goiás em 1907 e Secretário da Polícia em 1908. Além disso também foi solicitador, um profissional que tinha como funções semelhantes ao trabalho de advogado e oficial de justiça.

JORNAL SUL DE GOYAZ

Em 1907, Moisés Santana fundou o jornal Sul de Goyaz na cidade de Catalão, no sul do estado, para onde havia se mudado há pouco tempo. Naquela época Catalão era um importante centro financeiro do estado, pois era uma região com grandes fazendas comandadas pelos chefes políticos locais, que competiam pelo poder na região.

O jornal tinha forte cunho político e Moisés Santana escrevia abertamente sobre políticos, fazendeiros e autoridades. Apesar de seu já conhecido polêmico trabalho, foi na direção do Sul de Goyaz, que Moisés Santana alcançou talvez o auge de sua carreira como jornalista. Suas críticas polêmicas, irritaram profundamente os chefes políticos locais que não toleraram as opiniões de Santana; desse modo ganhou muitos inimigos e passou a sofrer muitas ameaças.

Como colecionava polêmicas, não se tratou exatamente de um fato novo, porém um episódio alarmante mudou os planos do jornalista; em 1908 a redação do Sul de Goyaz foi invadida e suas máquinas todas destruídas, desse modo Moisés Santana, se viu obrigado a fechar o jornal e ir embora de Catalão

Em 1916, Moisés Santana voltou à Catalão e reabriu o jornal Sul de Goyaz, retomando exatamente a mesma linha editorial. Muitos historiadores afirmam que o jornal se tornou ainda mais polêmico, e mais crítico e ofensivo às autoridades e políticos locais.

Da mesma forma que antes o jornal durou muito pouco. O atrevimento de Moisés Santana de ter voltado à Catalão e reaberto o jornal, agora ainda mais incisivo, deixou os chefes políticos muito mais enraivecidos que da primeira vez, e Moisés Santana passou a ser ameaçado de morte.

Após saber que pessoas estavam a sua procura, foi obrigado a fugir de Catalão de uma maneira inusitada e difícil. De acordo com os registros disponíveis amigos o enrolaram em um colchão e o embarcaram em um trem para Uberaba, para que conseguisse sair de Catalão sem ser visto.

UBERABA E JORNAL LAVOURA E COMÉRCIO

Nos anos posteriores, não há muitos registros sobre a movimentação de Moisés Santana, contudo o mais provável é que após a fuga de Catalão, não tenha mais retornado ao Estado de Goiás.

É certo que em meados de 1918, Moisés Santana já trabalhava no jornal Lavoura e Comércio da cidade de Uberaba; que era uma fonte de informação rica sobre o Triângulo Mineiro, e portanto sempre citava Goiás, devido à proximidade entre as regiões.

O jornal também fazia críticas sociais contundentes às lideranças locais.

Moisés Santana tornou-se membro da equipe do Lavoura e Comércio e assumiu a

seção Vida Goiana, que falava especificamente de Goiás. A seção trazia fatos importantes à serem noticiados e como sempre ressaltava particularidades da região.

O FIM

O destino trágico e previsível que tentou evitar com fuga de Catalão aconteceu, dessa vez por outro motivo. Moisés Santana terminou sendo assassinado no dia 20 de maio de 1922 na redação do jornal Lavoura e Comércio pelo médico João Henrique Sampaio, que ficou revoltado com uma sátira feita pelo jornalista. A morte causou grande comoção entre membros do jornal e também em Goiás, onde nunca foi esquecido.

João Henrique Sampaio, terminou sendo absolvido pelo argumento da legítima defesa da honra, algo que era muito comum naquela época quando a violência era uma maneira de reparação.

Meu objetivo ao escrever essa história foi falar sobre Moisés Santana, não só pela personalidade controversa, mas pela estima e reconhecimento da cultura goiana e do incentivo do trabalho da imprensa em Goiás.

Em um tempo que escrever era um recurso para tentar melhorar as condições sociais, um jornalista que aparentemente, não tinha medo de nada, foi muito importante para desenvolver a imprensa em seu papel social mais importante que é defender o interesse público; e que mesmo com uma carreira breve, deve ser reconhecido por sempre valorizar e divulgar a cultura de Goiás.

Autora:

AF Lopes

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