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domingo, 12 de maio de 2024

A milícia quer São Paulo: o câncer se espalha por candidatos biônicos

As recentes declarações do candidato carioca, postulante ao Governo do Estado de São Paulo, afirmando que, se eleito, deverá adotar o modelo RJ para a segurança pública estarreceu especialistas e a população. É um alerta máximo! O Rio de Janeiro é um reduto das milícias e, como certificou o ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, é também um estado em metástase – afirmação proferida em evento no início de setembro de 2019, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).

Um assassinato orquestrado, como o de Marielle Franco, por exemplo, entra para as estatísticas de crimes sem resolução, e não por acaso… Os fluminenses possuem a menor taxa de solução de homicídios do país, apenas 16% dos casos (de acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz, em conjunto com Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça), sendo o segundo estado mais rico do Brasil (dados do IBGE), perdendo apenas para o PIB de São Paulo.

Não é de se surpreender que candidatos biônicos, na extensão de organizações poderosas, almejem os locais onde haverá maior possibilidade de domínio e poder, em meio à riqueza. O que está em jogo não é pouco, é o maior contingente de votantes com o orçamento mais alto do país, em meio aos mais consistentes mecanismos de uma máquina pública estadual. Henrique IV da França diria: “São Paulo bem vale uma bolacha”.

O Brasil possui regionalismos culturais geográficos muito claros, notabilizados por sotaques e expressões, por exemplo, perceptíveis ao povo local não só pela dicção, mas também pelo desconhecimento dos espaços territoriais por quem vem de fora. Nesse sentido, há algum tempo, campanhas políticas têm indicado fonoaudiólogos aos forasteiros postulantes, com a intenção de minimizar as marcas fonéticas para driblar os ouvidos locais.

Mas não é só o jeito de falar que quer tomar o Palácio dos Bandeirantes. O sertão paulistano não vai virar mar, mas se tornaria uma ressaca do traslado carioca. Famílias e clãs dispersam seus tumores e se afluem entre a Via Dutra com a finalidade de expansão. Um irmão vereador na Barra, outro deputado na Av. Paulista, um pai no Planalto, logo um laranja aqui, outro ali… e agora a extensão dos tentáculos na tentativa de abarcar o governo paulista. Esse projeto de poder possui objetivos profundamente obscuros. O poderio da milícia – amplamente conhecida por seus esquadrões da morte – em territórios fluminenses perpassa o domínio tanto do setor público como do privado.

A metástase miliciana atinge as estruturas de governo, bem como comércios essenciais. Um levantamento feito pelo Conselho Regional de Farmácia (CRF-RJ), por exemplo, mostra o controle de mais de 1.200 drogarias, indicando um risco até mesmo à saúde pública com o alargamento dessas organizações. José Cláudio Alves, professor titular da UFRRJ e especialista em violência urbana, grupos de extermínio e milícias, é categórico ao se referir à organização: “é a constituição de um projeto totalitário de Estado”, e reitera que “a milícia é o Estado, é assim que ela atua”.

O alerta não é de hoje. Um estudo realizado pela Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos, apresentado em outubro de 2020, apontou para a articulação com nichos de prefeituras e casas legislativas da região metropolitana do Rio. A nota técnica indica a conexão estrutural e “chama a atenção para um projeto ambicioso de tomada de poder do Estado”.

A cinematografia, a literatura e a investigação têm ajudado a revelar à sociedade, sobre os acontecimentos, relações e impactos que constituem o crime organizado interligado às entranhas do poder público. Filmes como Tropa de Elite 2 (de José Padilha), séries como Arcanjo Renegado (Globoplay), documentários e reportagens como Profissão Repórter: o crescimento das Milícias no Rio de Janeiro (Globo), Rio sobre Milícias (SBT), O Poder das Milícias no Brasil: do Rio a Brasília (Canal da Boitempo) e o breve A Milícia é o Estado (Meteoro Brasil), ou mesmo em Podcasts como A República das Milícias (Globoplay), dentre outros, oferecem ao público grande parte da realidade onde atuam essas organizações. A investigação do jornalista Bruno Paes Manso na obra “A República das Milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro” (Todavia Editora) é mais que reveladora e traz as relações, promíscuas, de setores do Estado, em sua organização e plano de fundo, cooptadas pelos milicianos em um projeto de poder expansionista. Não é preciso muito para perceber que anseiam pelo ente federativo mais rico: SP.

Sob essa análise, as afirmações do candidato carioca ao governo de São Paulo são mais que preocupantes. Transportar o modelo fluminense é alargar um carcinoma, trazer um tsunami tempestuoso para as terras da garoa, em uma trajetória perigosa, despudorada e sem volta.

Primeiramente, vejamos uma ação local. Para se ter uma ideia, o projeto Olho Vivo, de implantação de câmeras que “gravam tudo” acopladas aos uniformes de policiais paulistas, resultou em uma redução de quase 85% das mortes, em 7 meses, e teve o setembro deste ano como o menos letal, com a menor taxa de óbitos desde 1994. O Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP atestou, de acordo com dados preliminares do projeto, que “a letalidade nas áreas em que as câmeras são usadas chegou a zero, e casos de lesão corporal também foram mais raros”. Ações como essa, de interesse público, são um enorme obstáculo para quem anseia por poder e lucros, oriundos de situações de domínio completo, onde nada escapa. Pois é importante ressaltar: regiões inteiras, com seus comércios e serviços públicos, estão sob o nefasto domínio das milícias no Rio de Janeiro.

Diante do atual espectro político, e para quem não entendeu, aqui vai com outras palavras: programas de governos progressistas são barreiras aos que desejam a tomada das estruturas estatais para seus interesses próprios de poder – ou seja, interesses das milícias. Não obstante, o modelo RJ, a que se refere o candidato carioca, pretende-se totalitário, onde “quem desobedece simplesmente morre”. A importação desse modelo seria implantar uma catástrofe generalizada no estado de São Paulo.

O que mais assusta é a “abertura” escancarada do atual chefe do executivo paulista. O governador, em final de mandato, convidou o candidato carioca para uma noite de “pizzada”. Cômico se não fosse trágico, pois é justamente quem deveria liderar e defender seu território de cancros nocivos e letais. O movimento parece perceptível, em se tratando de falta de ética para com a “coisa pública”. Vale lembrar que movimentações como essa culminaram na debandada de secretários e dirigentes do governo, um gesto claro de afirmação contrária e divergente dos atos e caminhos escolhidos pelo governante.

Nesse sentido, engana-se quem acredita que a eleição para o Palácio dos Bandeirantes situa-se apenas entre dois candidatos. Em meio a mais uma campanha bombardeada por fake news, a questão vai muito mais além, pois o que está em jogo é a vida de uma sociedade em um estado prestes a ser rifado para candidatos biônicos, em nítido expansionismo de um câncer em metástase. Nesse caso, o melhor mesmo é acabar nessa pizza… ao invés de se iniciar nela.

Prevenir é sempre o melhor remédio. Pois já se sabe – em se tratando de câncer nos estados – que após a chegada da metástase restará apenas a morte. E já cantava Gonzaguinha, “ninguém quer a morte, só saúde e sorte”.

Guaraí Machado*

*Técnico em gestão de políticas públicas, professor de línguas, tendo passado pelos cursos de Letras, Bioquímica e Direito.

Fontes e referências:

Ex-secretário Luiz Eduardo Soares descreve a trajetória e o poder das milícias do Rio

Luiz E. Soares e a formação do “Brasil miliciano”

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-24/os-bolsonaro-sempre-foram-os-representantes-id
eologicos-dos-grupos-milicianos.html

https://www.youtube.com/watch?v=cy5RHX2EaDU&t=4443s

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-10/influencia-de-milicia-e-trafico-nas-el
eicoes-preocupam-governo-e-judiciario

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/10/26/pesquisadores-alertam-para-articula
cao-de-milicias-com-prefeituras-e-poder-legislativa-na-regiao-metropolitana-do-rj.ghtml?utm
_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=g1

https://nev.prp.usp.br/projetos/pesquisa-uso-cameras-corporais-pela-policia-militar-de-sp/

https://www.brasildefato.com.br/2022/08/17/milicias-controlam-mais-de-1-200-drogarias-no-r
j-aponta-levantamento

https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php

https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/campanha-de-tarcisio-quer-fonoaudiologopara-aplainar-sotaque-do-ministro/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63148600

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63142103

https://soudapaz.org/noticias/estados-brasileiros-perdem-capacidade-de-esclarecer-homicidi
os-revela-estudo-do-instituto-sou-da-paz/

https://soudapaz.org/o-que-fazemos/conhecer/pesquisas/politicas-de-seguranca-publica/con
trole-de-homicidios/?show=documentos#6651-1

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/08/03/brasil-esclarece-so-37
-dos-homicidios-e-n-de-crimes-resolvidos-cai-diz-estudo.htm#:~:text=Cotidiano-,Brasil%20e
sclarece%20s%C3%B3%2037%25%20dos%20homic%C3%ADdios%20e%20n%C2%BA,cri
mes%20resolvidos%20cai%2C%20diz%20estudo&text=Apenas%20um%20em%20cada%2
0tr%C3%AAs,at%C3%A9%20o%20fim%20de%202020.

https://br.noticias.yahoo.com/rio-de-janeiro-e-estado-com-menor-taxa-de-homicidios-solucio
nados-mostra-pesquisa-184857638.html

https://tab.uol.com.br/edicao/milicias/#page6

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/01/letalidade-policial-desaba-85-em-batalhoesde-sp-com-cameras-em-uniformes.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/10/pm-paulista-tem-setembro-menos-letal-de-s
erie-historica-com-15-mortes.shtml

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