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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Marx é flamengo?

A vida é uma grande ilusão e a maioria de nós não viverá o suficiente para ver que suas certezas e convicções estavam corretas ou inteiramente equivocadas. O que diria Copérnico se vivo fosse hoje em dia descobrindo-se bizarramente anacrônico em sua teoria heliocêntrica?

Marx testemunhou horrorizado todos os horrores e desumanidades dos primórdios da Revolução Industrial, período onde os burgueses eram ricos, embora considerados classe média, não trabalhavam (no sentido de despender esforço físico) e viviam à custa do trabalho alheio, possuíam empregados praticamente em regime de servidão, não pagavam impostos, não existiam sindicatos, o voto só era permitido a quem tinha posses, as mulheres eram impedidas de votar e a Rússia, onde as teorias marxistas ganharam força vivia em um regime hermético ás mudanças que toda a sociedade europeia sofrera com o advento da Revolução Francesa. O Capital teria sido escrito ou quiçá teria sido escrito de forma diferente se Marx vivesse hoje num regime democrático de representação sindical plena, voto universal, burguesia proletária empobrecida e dependente do trabalho diário que sustenta o sistema pagando impostos abusivos? Sem nem falar do fracasso da experiência socialista marxista. Como atenuante ele poderia se defender que ao contrário do que ele pregara, em vez de instituírem uma ditadura do proletariado, foi instituída uma ditadura sobre o proletariado em desacordo com seu pensamento original.

No entanto, vinte anos antes de falecer, fundou-se na Inglaterra a Football Association para diferenciar o futebol gaélico (?) e o rugby do soccer quando as regras desse esporte foram lançadas, esporte que se tornaria a antítese de toda a doutrina socialista. Mas como assim o que o futebol tem a ver com a ideologia socialista? Na verdade, tudo. O futebol é o avesso de tudo que se associa ideologia marxista da igualdade de classes, aliás, é muito confortável saber que a humanidade não precisa jogar futebol para sobreviver porque o futebol bonifica unicamente o mérito e exalta o capital. O veredicto do futebol é cruel e muitas vezes injusto. No futebol os fortes vencem e a justiça não pode fazer nada contra isso, pelo contrário, no futebol a justiça tende a ajudar os mais fortes, isto é, os que possuem mais capital. O futebol é o capital na sua forma mais metafórica, quem tiver posse de maior capital associado a capacidade (mérito) vence.

Nenhum jogador de futebol está interessado em demandas sociais quando entra em campo, se negros, chineses, indígenas, homo afetivos, trans, lulistas ou bolsonaristas estão se pegando. O jogador de futebol quer vencer desde que seja bem pago, ora, ora. Ouvem calados o discurso progressista do técnico ou diretor objetivando uma visibilidade midiática, mas se não rolar um bom “bicho”, uma bonificação a altura do campeonato ou título que está disputando não tem consciência social certa. O discurso dissociado dos objetivos fundamentais do jogo, a vitória e o profissionalismo, a tentativa de utilizar o nome do clube e a figura dos jogadores para propaganda pessoal política não deve trazer muita satisfação aos principais atores do espetáculo que veem seu esforço servindo de escada á pessoas que não entram em campo para lutar pelo triunfo. O jogador quer ser o protagonista do espetáculo e se ressente dos oportunistas.

Já para os torcedores se o time estiver vencendo o uso das cores do seu clube para propaganda política soa elegante e as vezes até empolgante nesses tempos que a mídia valoriza este discurso, afinal é visibilidade nacional, ainda que seja parte de uma estratégia de marketing remunerada. se no final os gols não aparecerem e os títulos não chegarem, constatam que foram enganados e a paciência acaba. Mesmo porque trata-se de um esporte onde a disputa é selvagem, muito mais entre as torcidas do que entre os jogadores dentro de campo. O que está em jogo é força e fraqueza, nunca a igualdade, quem vence é forte, quem perde é fraco, não há razão que mude esta convicção primitiva. E mais uma vez lá se vão os dogmas socialistas para o ralo, e não só eles, a doutrina iluminista da igualdade e fraternidade também desmorona, ao menos durante a catarse de um estádio de futebol lotado onde rivais históricos se defrontam. A paixão é tão forte que Beria, diretor da polícia política secreta de Stalin, cansado de ver o Dínamo de Moscou, time que dirigia e torcia ser goleado pela equipe rival, o Spartak, prendeu e enviou por 10 anos para os Gulags (campos de concentração) o principal jogador e dirigente (Nikolai Starostin) do Spartak assim como seus três irmãos também jogadores do mesmo time e somente após a morte tanto de Beria como de Stalin (torcedor do Dínamo), é que foram libertados. No futebol ninguém quer perder.

Numa hipótese fantasiosa de que um dirigente progressista assuma a CBF e obrigue os times de futebol instituírem cotas, para evitar discriminação e privilegiar a inclusão social de minorias, jogadores negros (se é que são minoria no futebol), LGBTistas, assim como deficientes visuais, limitados verticalmente (os antigos anões), que mesmo sem habilidades futebolísticas para jogar num grande time teriam que ser obrigatoriamente escalados como titulares. É bom que se diga que o futebol não possui nenhuma posição contrária a jogador algum que preencha estas características anteriores, se um anão for especialista em bolas rasteiras, se sua perícia for se infiltrar entre os zagueiros entre suas pernas e fizer gols, ganhar títulos, o mundo futebolístico se ajoelhará diante dele. O mesmo para goleiros deficientes visuais que porventura possuam percepção extra-sensorial, sexto sentido e interceptem bolas, defendam pênaltis e ganhem títulos, o valor de um goleiro assim ultrapassará milhões de euros no mercado do futebol. Ofensas à parte no clímax da batalha e da provocação (que nem por isso deixam de merecer condenação), um esporte onde Pelé é considerado no mundo inteiro nada menos que um Rei, é meio sem sentido se falar de racismo no futebol, mesmo porque quando a ofensa vem das torcidas é um pouco demais se esperar um pensamento racional de massas coléricas. Da mesma forma, dirigentes, técnicos de futebol não podem atribuir seus insucessos a sua cor, simplesmente não tiveram o talento necessário para vencer como gostariam ou ainda o momento do triunfo irá chegar com a experiência e persistência. O discurso politicamente correto pode dar visibilidade a imprensa, mas num meio essencialmente competitivo isto soa como um discurso de um perdedor tentando justificar seu fracasso.

Continuemos com nossa divertida quimera, os times do Flamengo ou Corinthians, indiscutivelmente donos das maiores torcidas do Brasil, sendo obrigados a escalar para cumprir a obrigação de cotas, em campo para uma decisão da Libertadores da América contra o time do Boca Juniors trazendo por exemplo jogadores que pertenceram ao saudoso Tabajara Futebol Clube, como o míope goleiro Águia, os baixinhos Ruinzinho e Ruinzinho Gaúcho (negro) como alas. Ao final do primeiro tempo já perdendo de 5 x 0, o militante socialista mais pragmático e disciplinado e ao mesmo tempo torcedor fanático e apaixonado estará revoltado com as novas regras e odiando o politicamente correto, porque futebol é bola na rede e dinheiro no bolso dos jogadores e mais nada. Todo torcedor quer ver seu time vencer e como diria a vinheta de Dandanzinho o menino retadinho de uma rádio local com sua voz encantadoramente infantil, “eu quero é ver gol”! Marx precisava ter conversado com ele.

Autor:

Marçal de Oliveira Huoya 

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