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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Crônica existencial

Às vezes eu reluto em admitir que a velhice houvesse chegado e isso é muito engraçado, porque é o processo natural da vida e não tem como fugir dele. Mesmo assim vivo tentando me desviar dele e até consigo em algumas circunstâncias, pois aos setenta e três anos me sinto razoavelmente bem da saúde física e mental. Contudo, hoje fui fazer o exame médico para renovação da Carteira Nacional de Habilitação. Cheguei à clínica meia hora antes e fui atendido exatamente na hora marcada, feito os procedimentos da parte física e psicológica só restava examinar a visão. A médica apresentou uma série de palavras de vários tamanhos e no final ela me orientou a procurar um oftalmologista porque o grau da minha visão estava abaixo do que determinava a lei. Eu agradeci com civilidade, como deve ser e saí. Na mesma galeria havia um banco de madeira em um corredor em frente de algumas lojas. Muito angustiado, me sentei e fiquei questionando o rigor com que aquela profissional havia me reprovado, isso porque as letras que não tinha conseguido ler eram muito pequenas. Quem conseguiria ler alguma coisa no trânsito com letras minúsculas? Muitas outras coisas me vieram à mente. Na minha frente havia uma loja de roupas para crianças que parecia estar fechada, então chegou um jovem casal com duas crianças, os pais entraram na loja e os meninos ficaram do lado de fora na maior algazarra. Olhando as crianças brincando até esqueci-me do frustrante exame, por alguns instantes. Com mais racionalidade entendi que a médica estava absolutamente certa em obedecer ao que manda a lei, pois se tratava da segurança do usuário e principalmente de terceiros. Foi aí que me dei conta de que o tempo havia passado e que já fazia quarenta e oito anos que tinha tirado a primeira habilitação, ou seja, não tinha como ignorar, estava velho mesmo. Já fora da galeria, dei uma volta no quarteirão totalmente desnorteado, igual quando eu tenho sonhos em que estou perdido em algum lugar esmo. Nesse momento o que vinha no meu pensamento era a vontade de não renovar mais a habilitação e admitir que houvesse chegado ao fim da minha capacidade laborativa pela idade avançada. Entretanto, resiliente como eu sou, entrei no carro e voltei para casa, onde marquei uma consulta com um oftalmologista, almocei e, junto com Eva, minha esposa fez a revisão final da documentação necessária para o encaminhamento de um livro que escrevi para a editora. Com tudo pronto e com a ajuda do meu filho Júnior, que fez os ajustes nos arquivos, concluiu o envio com sucesso. Dessa forma terminei o dia com muito entusiasmo e esperançoso.

Autor:

Luiz Cunha

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