Vinicius é um jovem, desses, interessados por política. Se diz de esquerda, mas reconhece as falhas que ela – e ele – tem. Gosta de ler e ouvir podcasts sobre rock e, claro, política.
Dia desses, saiu da faculdade e foi à pé ao centro da cidade. Para a caminhada ficar mais leve, abriu o Spotify no celular e, por ventura, o episódio novo do podcast Diálogo a três. Era uma conversa sobre Corrupção. Revolução Francesa e seus personagens, filosofia política, e Paris.
O podcaster passou a palavra ao convidado da vez, que já foi dando logo uma pincelada geral no enfoque que daria ao assunto:
“‘O homem nasce bom, a sociedade é quem o corrompe’, disse Rousseau, do alto de seu meio século vivido, ao lançar as sementes da iminente Revolução que ocorreria em seu país: a França. Quando ‘O Contrato Social’ foi posto à público, o pequeno Robespierre ainda era uma criancinha que, certamente, não conhecia as palavras ‘política’, ‘corrupção’, ‘poder’, ‘Estado’ e ‘Revolução’.“
E emendou, a fala e os contextos:
“Anos depois, aos 36, a cabeça dessa velha criança rolaria em praça pública – depois de ter feito muitas outras rolarem. ‘O incorruptível’ foi ao extremo na busca pelos seus ideais libertários, igualitários e fraternos. A nossa esquerda vai ao Supremo, na busca por ideais parecidos. E a direita vai às ruas, nem que seja pra vaiar.
Estado, corrupção, direita, esquerda, povo e cidadão. Bradamos aqui as mesmas palavras que já gritavam os filósofos, a Assembleia e o povo da Cidade Luz, naquele século iluminado. De uns anos pra cá, luzes (ou camisetas e bandeiras e pinturas corporais) verdes e amarelas acenderam-se em nosso país: o Brasil. ‘O gigante acordou’, dizia-se.
Só que as coisas ficaram meio confusas… de ‘Corrupção nunca mais!’ (com direito à juiz heroi e tudo) fomos a ‘Fecha STF!’ e ‘Volta Ditadura!’ (com direito à juiz, agora ex-ministro, parcial e tudo). O grito anticorrupção de repente cessou.”
Foi nesse momento que o terceiro membro da conversa (o Vinicius) teve sua atenção desviada ao avistar uma carteira caída na sarjeta da movimentada avenida por onde passava. Olhou ao redor, e não viu ninguém a sua procura.
“Provavelmente caiu do bolso de algum motociclista“, pensou consigo mesmo, ao perceber que se tratava de um espaço destinado ao estacionamento de motos. Levantou essa hipótese ao imaginar que o condutor sentou na moto, saiu e nem percebeu ter largado a carteira para trás. Pegou-a, então, e decidiu aguardar um pouquinho, ali perto, na esperança de que alguém aparecesse à procura do objeto perdido – e, possivelmente, valioso.
Cinco minutos se passaram, e nada. Passaram-se 10, depois 20. Depois de mais de meia hora, não dava mais para esperar… Vinicius, que até ali não havia nem aberto a carteira, guardou-a no bolso e seguiu o seu caminho. Não pretendia ficar com ela… mas, por algum motivo, lembrou daquela frase que as crianças repetiam quando, por pirraça, tomavam os objetos umas das outras: “achado não é roubado, quem perdeu é relaxado” (e em seguida mostravam a língua).
No Spotify, já tocava um rock, desses mais suaves. Ao mesmo tempo, refletia sobre o diálogo que acabara de ouvir. Sobre Rousseau, e sobre o homem bom e justo por natureza e a sociedade corrompida. Sobre o incorruptível Robespierre, e sobre o Século das Luzes, as cabeças que rolaram, as camisas amarelas, e a carteira, que mais cedo foi perdida.