Proponho um exercício: tente resgatar suas memórias de infância. Tente encontrar, especialmente, aqueles conceitos mais primários que você teve sobre o mundo ao seu redor. Lembre-se de quando você tinha medo de ir muito longe… quando um lugar a cem metros da sua casa parecia muito distante e você não sabia o que poderia encontrar por lá, e por isso, não se atrevia a ir sozinho.
Lembre-se de quando você montava na sua motoca e circulava sobre a calçadinha ao redor da sua casa. Você prestava atenção em tudo! E via aquela paisagem, que só você sabe como é. Cada esquina que você virava com sua motoquinha te trazia um ambiente diferente. Você sentia as coisas com as quais se deparava. As cores, os cheiros, os sons, os animais que apareciam, as rachaduras do chão, as imagens que se formavam no piso, ou nas manchas da parede, e até os desenhos que você mesmo fez naquela mesma parede: você percebia tudo!
Mesmo sozinho, você interagia fácil com o que encontrava pelo caminho. Imaginava amigos e conversava com eles, ou só pensava alto mesmo, desenvolvendo suas teorias. Era você percebendo o mundo e criando seus próprios conceitos sobre ele. Você fazia arte! As vezes até sabia que não podia… mas era prazeroso! Experimentar, sentir, conhecer! Era como se uma voz no fundo da alma te chamasse dizendo:
“- Prazer, eu sou a vida! Conheça-me! Explore-me!”
Aos poucos, você foi aprendendo a explorar. E começou a ir cada vez mais longe. Você não deixou de ter medo, mas ia aprendendo a enfrentá-lo! Só assim conheceria aqueles lugares distantes e outrora misteriosos para você.
Você já começava a ter algumas certezas… e cada vez mais dúvidas. A sua mãe, ou sua vó, ou sei pai, sabiam de muita coisa! Por isso, você perguntava para eles! Você era tão curioso. Seus irmãos, primos ou amiguinhos tinham as mesmas dúvidas que você e vocês criavam teorias e exploravam juntos! Que delícia esses encontros com a vida!
Só que nem tudo era maravilhas. As vezes vocês brigavam, se machucavam, e choravam. A dor e o sangue, com aquela cor vermelha e vibrante (!), te mostravam que era preciso ter cuidado e que você e seu espírito aventureiro precisavam ter limites, porque seu corpo também tinha. De lá para cá, você tem vivido essa dualidade: curiosidade e medo; desejo e cautela; perigo e segurança… Nada mudou, viveremos para sempre nos equilibrando sobre essa eterna balança da vida.
Entre os momentos de energia e aventura, cheios de adrenalina, e os de tristeza, frustração e dor, também tinham aquelas horas tranquilas, assim que você acordava ou antes do soninho da tarde. Nada mais gostoso que assistir desenho animado e mergulhar nas as aventuras dos personagens da TV, acompanhado do seu leitinho com chocolate.
Chocolate! Chocolate também era aquele solo craquelado de quando uma poça de barro seca, e os pedaços de terra compactada envergam para cima. Era uma delícia quebrá-los. E o barro, tão geladinho! A coisa mais simples, rica e saudável que uma criança podia (e pode, e deve!) fazer é brincar de terra. A sujeira se resolvia com um banho mais tarde. Mas, antes de entrar em casa, era preciso um banho de mangueira, para tirar o “grosso”!
Eu poderia ficar passeando pelas antigas memórias por muitos parágrafos. Explorá-las, assim como costumava fazer com o mundo ao meu redor, na infância. De vez em quando, é muito bom resgatar essas memórias que são, além de tudo, extremamente afetivas. É importante nunca esquecermos do nosso começo. Até porque, naquele tempo, a gente sabia que adultos eram chatos… Não queriam brincar, só queriam ver jornal e ficar sentados… E amávamos aquele adulto que deixava de sê-lo, e por algum tempo, participava da nossa aventura e levava à sério nossas grandes perguntas. Esses adultos são especiais, e certamente, permanecerão guardados num cantinho especial no coração da criança que, muito em breve, há de crescer.
Essa crônica é para todos aqueles adultos que dedicam boa parte da sua vida cuidando dos pequenos! Que trabalho importante (e fundamental)! Ela também é para todos os adultos que percebem o quanto ficaram chatos. Que sejam menos rígidos, e inspirem-se no encanto que as crianças têm pelo mundo que as acompanha.
Velha e doce infância, quantas saudades. Saudades do tempo que não volta, saudades de reunir a família, os primos e tios que moravam longe, saudade de ter os avós por perto. Tempo que não volta mais.. ficam apenas as lembranças.
Que essas lembranças sirvam de inspiração!
Velhos tempos… tempo que muitas vezes deixou de ser melhor aproveitado por conta da ânsia em querermos ser adultos, e agora, adultos só nos restam as lembranças e saudades desse tempo que não volta mais.
A saída talvez seja continuarmos sendo um pouco crianças mesmo depois de adultos. rs