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domingo, 21 de abril de 2024

A Voz

Em uma noite fria de uma cidade do interior, em meio à uma rua deserta, a luz dos postes serve como solitária iluminação, enquanto o vento sopra forte o suficiente para agitar os galhos das árvores espalhadas ao redor. 

Em meio ao vento, bem no meio dessa cidade, um banquinho vazio aguarda a chegada de Thiago, um homem de 20 e poucos anos, que caminha pelo silêncio das ruas. 

Seu moletom largo e suas olheiras cansadas são reflexo do péssimo dia que teve, e tudo o que ele quer é um lugar tranquilo para descansar e acender seu cigarro de palha. 

“Que sorte”, pensou ele ao ver o banquinho. 

Ao se sentar, tira o cigarro de palha e o acende. 

Seus tragos o trazem paz, e o vento e silêncio também não são de se jogar fora. 

“Ei”, ele escuta em um cochicho.

No susto, Thiago olha em volta. Mas não vê ninguém. 

Nem pela esquerda, nem pela direita; ninguém. 

“Tô doido”, pensou. E devia estar. Seu chefe já estava deixando-o nervoso, e ele havia pego seu namorado o traindo não fazia muito tempo. 

Só quem não o abandonou foi a palha. Talvez fosse ela quem o chamou?

“Ei”, o chamam mais uma vez.

Não era a palha. Dessa vez, os pelos do braço de Thiago começam a se arrepiar, e ele prefere sair dali.

Ele caminha, é claro, na direção contrária ao que ele acredita ser a voz que o chama. Não fica claro para ele se é um homem ou uma mulher. A voz, na verdade, não lembra nem um nem outro. 

É apenas isso. A voz. 

“Ei”.

Dessa vez, Thiago nem a busca. Começa a andar mais depressa, e bate em sua cabeça para arrancá-la de dentro pra fora. 

“Ei”. 

Ele aperta o passo, com sua palha já apagada pelo forte vento, mas que não sai de sua mão por nada.

“Ei”, chamam. E agora, Thiago vê de onde veio.

Uma porta aberta em frente a um casarão abandonado, suas luzes são as únicas acesas na rua em que Thiago acabou indo parar.

“Eu conheço aqui?”, ele se pergunta. A cidade não é grande, e ele vive lá desde que se conhece por gente. Como é possível que não conheça aquele lugar?

“Pode vir”, a voz o chama. 

Sem saber porquê, Thiago se acalma. 

Até o vento parou de tanta serenidade que invadiu as ruas vazias com aquele chamado. 

Thiago acende novamente sua palha, respira fundo e, sem pensar duas vezes, segue para a porta aberta do casarão vazio. 

Ela se fecha logo em seguida.

Alguns dias depois, a polícia abre mão das buscas por Thiago. 

O consenso geral é de que ele quis ir embora, mas sua família não acredita que ele os deixaria. Eles não sabem, é claro, do episódio da traição.

Na verdade, nem sabiam que ele gostava de homens. 

Seu chefe, enquanto isso, já contratou um substituto e não perdeu tempo em dizer que o problema é do funcionário que não quer trabalhar.

“Igual ele tem mil”, diz pra si mesmo. 

E a vida da cidade seguiu. Ninguém nunca mais viu ou ouviu dizer algo sobre o saudoso Thiago. 

Sobre a voz na pracinha e sua veracidade?

Algumas pessoas insistem em dizer que já a ouviram, mas que nunca foram atrás para saber de onde veio.

Quem a ouviu, porém, afirma com plena certeza de que é a voz de um homem que encontrou a paz.

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