Citando Susan David, Ph.D. em psicologia clínica em Havard:
“Emoções difíceis fazem parte do nosso contrato para a vida. Você não consegue uma carreira significativa ou cria uma família ou deixa o mundo um lugar melhor sem estresse e desconforto. Desconforto é o preço de admissão para uma vida significativa.”
À medida que expandimos a nossa “fronteira do conhecimento”, a nossa percepção do mundo, seja através do estudo ou da experiência de vida, às vezes nos deparamos com coisas bastante desagradáveis e desconfortáveis, mas como disse a Dra. Susan David, isso faz “parte do nosso contrato para a vida“.
Nos últimos meses, várias críticas negativas foram disparadas contra o filme ‘Som da Liberdade’ (‘Sound of Freedom’), que tem lançamento previsto no Brasil para 21 de setembro de 2023, distribuído pela Paris Filmes e 360 Way Up, por enquanto apenas nos cinemas.
Depois do lançamento do filme surgiram algumas teorias da conspiração de extrema-direita, acreditando na existência de uma seita satânica que rapta crianças para rituais ocultos. O filme foi proibido em países comunistas. A Disney não o quis estrear, não houve acordo com a 20th Century Fox e a elite de Hollywood tentou boicotá-lo.
Houve relatos de ar-condicionado desligado nas salas de cinema, evacuações de emergência sem sentido, dificuldade em comprar bilhetes e bilhetes esgotados na Internet, apesar das salas estarem vazias.
Por que toda essa controvérsia e confusão em torno deste filme? Simplesmente porque ele trata de assuntos delicados, que geram um forte desconforto à sociedade, envolvendo personagens frágeis e sensíveis: o sequestro de crianças e a pedofilia.
O filme afirma ser “baseado em fatos reais”, mas, sem entrar no mérito se o filme é baseado em fatos reais ou não, uma verdade não pode ser negada ou ignorada: a pedofilia e o tráfico de crianças realmente existem, e infelizmente casos são revelados com frequência.
Frequentemente, equipes de policiais das diversas esferas, juntamente com promotores de justiça e muitas vezes com a cooperação de policiais de outros países, desarticulam redes de pedófilos e raptores de crianças.
É natural que a maioria das pessoas fique chocada com esta realidade brutal, cruel e dolorosa. E é nesse contexto que esse desconforto pode criar o que a psicologia chama de dissonância cognitiva, que também pode ser manifestada em um âmbito coletivo.
Apresentada pelo psicólogo americano Leon Festinger em 1957, a dissonância cognitiva se manifesta quando surge algum conflito entre o que uma pessoa pensa, o que ela faz e o que ela sente. Esse conflito gera desconforto, ansiedade ou angústia, e o indivíduo busca resolver esse desequilíbrio, que inclui tanto elementos cognitivos (relativos ao seu conhecimento) quanto elementos emocionais (relativos à sua emoção).
Para amenizar esse desconforto, a pessoa busca uma forma de interromper ou minimizar o conflito que está sendo criado. Por exemplo, se a dissonância foi causada por alguma informação, a pessoa responde ou desacreditando na informação, ou menosprezando a fonte da informação ou simplesmente a ignorando. É até comum desacreditar em fatos, ou não acreditar na própria ciência se essa for a fonte do desconforto, haja vista a recente dissonância cognitiva coletiva causada por informações falsas nas redes sociais sobre as vacinas, dizendo que elas seriam ineficientes ou perigosas.
Assim, acredito que, na tentativa de “suavizar” a dissonância criada pelo filme, alguns espectadores buscaram desviar o foco do incômodo tema principal, preferindo desacreditar da autenticidade dos fatos narrados no filme.
Por fim, independentemente do seu grau de verossimilhança, acho que o filme atinge o seu objetivo: chamar a atenção do público para esses bárbaros crimes.
Autor:
Marcelo Carvalho-Bastos tem 61 anos, é bacharel em Engenharia Química (UFRJ), com pós-graduações em Projeto de Sistemas (UERJ), MBA em TI e Administração (UFF), e especialização em Engenharia Sanitária e Ambiental (UFRJ). Atualmente é estudante do curso Documentários (SESC).