Entre as diversas formas de comunicação dos seres humanos, a fala ocupa o lugar principal. Antes de saber ler, escrever, cantar, pintar e tantas outras formas de expressar algum tipo de comunicação, superada a fase das manifestações vocais sem articulação, características dos primeiros anos de vida, e não havendo problemas físicos ou mentais que impeçam, aprendemos a falar.
As primeiras palavras, normalmente mamá e papá, que servem para identificar os genitores e igualmente a necessidade de leite e comida, rapidamente vão tomando formas mais arrojadas, se transformando em mamãe, papai, mamadeira e comer. Verificamos assim os primeiros passos da evolução da fala, que não irá cessar até concluirmos nossa trajetória terrestre.
O caminho que esta evolução verbal irá percorrer dependerá de diversos fatores, do convívio no grupo social em que o indivíduo está inserido à aculturação que inevitavelmente passará, seja em estudos oficiais ou na observação inerente à toda raça humana. Deste convívio e observação, fundamentalmente, surgirá a variante linguística que o caracterizará.
A maneira como nos expressamos verbalmente facilmente nos identifica. Ao escutarmos alguém que usa palavras mais rebuscadas e frases mais longas, naturalmente julgamos ser uma pessoa instruída e possivelmente com posses materiais. Se ouvimos alguém que pronuncia as palavras diferente de como escrevemos, comendo seus plurais, trocando letras, acrescentando ou substituindo vogais, imediatamente pensamos ser alguém com pouca instrução oficial e possivelmente de baixa renda. Provavelmente também poderemos identificar a região geográfica de origem, pois se a pessoa soltar um “uai” no meio da frase, deduzimos ser proveniente de Minas Gerais, ou um tchê nos remetendo às terras gaúchas. Outros exemplos de identificação pela fala poderiam ser citados, mas qualquer um deles deverá vir despido de preconceito!
A maneira como o sujeito se expressa, embora possa trazer supostas informações empíricas, não pode trazer em anexo o julgamento de seu caráter, ou de sua capacidade produtiva. Observamos corruptos e malfeitores usando o verniz da linguagem culta para ocultar e justificar suas falcatruas; homens do campo, ainda analfabetos, revestidos do mais alto grau de honestidade; discursos elaborados por terceiros sendo proferidos por indolentes; jovens trabalhadores braçais cujas frases de poucas palavras transmitem muito mais informações.
A valorização das diferentes formas de expressão pode identificar o falante e seu grupo social, mas pode ser cruelmente discriminatória.
Em síntese: Identificação não pode ser preconceito! O respeito à expressividade verbal de cada ser, sem julgamentos, sem formar conceitos de caráter apenas pela forma como o outro fala, deve ser mais que um fundamento moral, deve ser a base de nossa educação.
Esta introdução não trata apenas de variações linguísticas, mas de uma sociolinguística variacionista, verdadeiro objeto deste texto, que aborda a Diversidade e diversidade linguística – entre língua e sociedade, denotando a importância de levar em consideração os fatores sociais além, ou acima, dos linguísticos, mostrando a impregnação dos valores sociais na língua.
A educação propositiva nas escolas, vai, aos poucos, libertando-se da proposta repassadora de conhecimentos linguísticos sintetizados em aprendizagem gramatical. A nova proposta apresenta a aceitação das expressões usadas em classes heterogêneas de alunos, sem, com isso, perder o objetivo do ensino padrão, ainda exigido principalmente para boas redações.
A intolerância, e principalmente o preconceito, que dominou as salas de aula por tanto tempo, e que ocasionou incontáveis evasões dos bancos escolares por alunos humilhados, rejeitados e, pasmem, até castigados, por seu modo diferente de falar, deve terminar! O ensino deve ser inclusivo e prazeroso, sob pena de determinar exclusões insensatas, impedir acesso a ensinos superiores e até impossibilitar a revelação de grandes talentos. Inúmeros exemplos poderiam ser citados, até mesmo de catedráticos de nossa Universidade, mas temo alongar-me demais.
A função da escola é sobretudo ajudar a criança a compreender a realidade material, social e espiritual, com suas contradições e sua variedade, para que possa atingir sua emancipação individual e coletiva. A escola deve ser espaço emancipatório*, liberto de intolerâncias e detestáveis práticas que relembram o “xibolete” causador de dezenas de milhares de mortes pela dificuldade de pronúncia da palavra.
Poderíamos pensar que permitir abertamente, sem correções, o pronunciar palavras fora do padrão da escrita, traria o caos para os ambientes estudantis. Mas as variantes linguísticas são apenas formas de dizer a mesma coisa e não prejudicam o entendimento final.
É preciso que os novos educadores aprendam a reconhecer a multiplicidade das formas de expressão como legítimas, e não apenas erradas. Não é mais admissível o humilhante corrigir sem a necessária aceitação prévia, sem a compreensão da identidade cultural de cada aluno. As mudanças no ensino devem acompanhar as transformações sociais e a evolução da compreensão das diversidades.
O ambiente escolar é, normalmente, a primeira grande experiência social dos jovens, deve, portanto, incluir, socializar, valorizar a cada um por sua identidade linguística também. O discente precisa de aceitação para evoluir. O aprendizado somente terá real significado se despertar no aluno o gosto por aprender.
Autor:
Saulo Semann, acadêmico de Letras/Português – Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná – UNICENTRO