Os parâmetros da política externa do novo governo brasileiro, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Partido dos Trabalhadores Brasileiros PT, começaram a ficar claros para a questão palestina com a posse do presidente Lula e a assunção de seu governo de seus deveres constitucionais pelo país na semana passada. Suas indicações vieram por meio de declarações que não são novidade para o presidente Lula, que destacou que os palestinos merecem toda a nossa atenção e solidariedade, e é a concretização de seu sonho que sempre repetiu no passado, representado por ver uma Palestina livre e independente que vive em paz no Oriente Médio. Essas declarações coincidiram com a adoção de decisões políticas no terreno, que contrariavam a política seguida pelo derrotado presidente Jair Bolsonaro.
As declarações do presidente Lula em apoio à causa palestina são as mesmas que ele vem reivindicando desde que era dirigente sindical e dirigente do Partido dos Trabalhadores, fundado em 1979 e lançado em 1980, e são as mesmas quando ele foi presidente do Brasil nos anos 2003-2010. Esses princípios que se enquadram no princípio do respeito pelo direito à autodeterminação e da solidariedade com os povos oprimidos, que o partido adoptou no programa fundador que aprovou em 1980, e reafirmou na segunda reunião realizada em 1982, na qual expressou claramente seu apoio à luta do povo palestino para reconquistar sua terra. Esta posição não saiu do programa de campanha presidencial do partido nas eleições de 1989, quando enfatizou o apoio à luta do povo palestino para estabelecer seu estado independente. Essas afirmações também estão em consonância com a constituição brasileira aprovada em 1988, que contém disposições claras incluídas no artigo 4º, na cláusula que diz respeito ao apoio constitucional ao direito à autodeterminação dos povos e à ênfase na solidariedade entre os povos, especialmente os pobres.
É importante dizer que o compromisso do Presidente Lula com a Palestina e sua causa é um compromisso pessoal e um sonho que o Presidente buscou realizar. O presidente Lula considerou que resolver a crise do Oriente Médio e alcançar a paz e a estabilidade na região é um de seus sonhos pessoais que busca realizar, pois queria ver um Oriente Médio livre de armas nucleares, como é o caso de seu querido país, América do Sul. Ele sonhava também em que o Oriente Médio fosse como o Brasil, onde todas as raças e culturas convivem em perfeita harmonia, onde mais de dez milhões de brasileiros de origem árabe convivem com 120 mil
judeus brasileiros. Este sonho não será realizado sem a realização dos direitos legítimos do povo palestino representados em seu direito à autodeterminação e ao estabelecimento de seu estado independente.
O interesse pela causa palestina veio de forma equilibrada e paralela, em linha com um aspecto das prioridades da segurança nacional brasileira, representadas pela profundidade regional do Brasil, o relacionamento com os Estados Unidos da América EUA, o empenho do Brasil em reformar o Instituições das Nações Unidas ONU, incluindo o Conselho de Segurança, e o respeito do Brasil pela Vaticano, centro da religião católica que é devido pela maioria do povo brasileiro. Assim, o corpo diplomático presenciou as primeiras decisões urgentes do governo brasileiro com prioridade sobre os demais, e essas decisões foram nomear embaixadores próximos ao novo governo, da Argentina, dos EUA, da ONU e do Vaticano, além de a encerrar as funções do embaixador brasileiro em Israel antes de nomear um novo. Maria Luisa Viotti foi indicada para Washington, Antonio Patriota, ex-assessor da presidente Dilma Rousseff, foi nomeado embaixador na ONU, Antonio Simões para a Argentina e Gilberto Carvalho foi nomeado para o Vaticano.
A exoneração do embaixador brasileiro em Israel, O general Gerson Menandro García de Freitas, em uma das decisões do início do governo Lula, expressa a rejeição do novo governo à política seguida pelo governo anterior e traz um recado à potência ocupante sobre a mudança na política brasileira em relação a Israel, e o retorno de todas as decisões tomadas pelo ex-presidente Bolsonaro, inclusive o alinhamento com a posição de Israel nas instituições internacionais.
Além disso, a posição oficial do novo governo brasileiro em relação às práticas israelenses nos territórios palestinos veio rapidamente desde o primeiro momento de sua formação. O Ministério das Relações Exteriores não hesitou em condenar a invasão da Mesquita de Al-Aqsa por Itamar Ben Gvir, o ministro da Segurança Nacional de Israel, que o Itamaraty qualificou como Nobre Santuário “Alharam Alsharif”, em nota divulgada no dia 3 de janeiro, dois dias após a posse do governo do presidente Lula. A nota afirmava o repúdio e condenação do Brasil a essa incursão, que contraria o direito internacional e a atual situação histórica de Jerusalém, e a necessidade de respeitar a tutela hachemita na administração dos locais sagrados islâmicos em Jerusalém, conforme estipulado nos acordos de paz entre Israel e Jordânia em 1994. A nota afirmava também a firme posição brasileira de seu compromisso com uma solução Dois Estados, onde Palestina e Israel convivem em paz e segurança e dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas e pactuadas.
Não há dúvida de que a tarefa do ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, será difícil. Por um lado, ele trabalhará para reparar os danos
causados pelas políticas do ex-presidente Bolsonaro à política externa brasileira, que o removeu da cena internacional e, por outro lado, trabalhará para reorientar a política externa de acordo com os princípios aprovados pela Constituição da República de 1988. E não há dúvida de que a primeira dessas reformas afetou a Palestina, ao encerrar as funções de seu embaixador em Tel Aviv, que ficava próximo ao ex-presidente Bolsonaro. E a nomeação de um embaixador nas Nações Unidas que antes era assessora da presidente Dilma Rousseff, a quem a imprensa palestina chamou ela de amiga do povo palestino quando ela assumiu a presidência do Brasil de 2011-2016 e foi demitida em um golpe constitucional liderado pela direita brasileira e apoiado pelos EUA. A natureza da relação Brasil- Israel dependerá das práticas israelenses nos territórios palestinos, sobre as quais o Brasil não se calará, o que ameaça a deterioração das relações Brasil-Israel. E se levarmos em conta a boa relação do Brasil – antes do presidente Bolsonaro – com o continente latino-americano, a relação do Brasil com Israel afetará negativamente nas relações israelo-latino-americanas, principalmente países que são governados por partidos que possuem relações históricas com o PT, como Argentina e México. A volta do Brasil à CELAC, que reúne 33 países, além de fortalecer seu papel em organismos multilaterais do continente, como a UNSAR e o Mercosul, é o que devolverá ao Brasil seu papel de liderança no continente e, assim, liderará uma nova direção oposta à políticas da ocupação israelense, e também afetará as posições de alguns países do continente que se alinharam com a potência ocupante e se posicionaram contra as resoluções internacionais que apoiam os direitos palestinos, ou se abstiveram de votar nelas.
Autor:
Dr. Rasem Bisharat. Palestino e especialista em Assuntos Brasil-Palestina