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sábado, 27 de julho de 2024

  Os telefones do coveiro

À entrada do cemitério de Santo Amaro das Brotas, um pequeno município sergipano, existe uma placa com os dizeres “Disk Coveiro”, e não um, mas dois contatos de telefone logo abaixo da inscrição. Ou o sepultador é alguém zeloso, pois procurou facilitar as coisas para aqueles que, em momento de aflição, necessitam entrar em contato com ele, ou então usa dois números porque a demanda está alta demais. Em prol da minha tranquilidade de espírito, prefiro acreditar na primeira hipótese.

Ver a placa me lembrou de que na Idade Média, em face do frequente medo de ser enterrado vivo, havia, nas sepulturas, sinetas à disposição de quem porventura acordasse num esquife. Bastava puxar uma cordinha que descia até o caixão e rezar para que existisse alguém por perto. O celular do coveiro me parece que é uma dessas sinetas, só que com polaridade invertida, pois, quando toca, indica que alguém passou para o mundo dos mortos – e não que alguém, desesperado, quer regressar à turma dos vivos. A não ser, claro, que uma pessoa resolva salvar o contato do homem da pá na agenda e levar consigo um aparelho celular para o túmulo. Mas isso não me parece uma boa ideia, pois o sinal das operadoras, se já é péssimo na superfície, que desgraça não deve ser debaixo de sete palmos de terra! O sujeito, além de morrer uma segunda vez, partiria deste mundo com ódio no coração, amaldiçoando o serviço de telefonia móvel.

Qualquer dia anoto os números do coveiro. Não é só na hora da morte que a gente precisa de um profissional assim. A vida, por exemplo, é cheia de assuntos que precisam ser enterrados e de lembranças ruins nas quais é imperioso jogar uma pá de cal. E nós às vezes necessitamos da ajuda de alguém para fazer tais coisas, pois já gastamos muito tempo e energia inumando os próprios sonhos e aspirações – e caindo na vala comum da existência.

Autor:

Ataíde Menezes

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