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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Admissibilidade em processos de impeachment: A democracia não cabe em gavetas

Na República do Brasil, a Constituição Federal (CRFB) de 1988 afirma, com clareza, que “todo o poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único) e precisa ser exercido, ao máximo, direta e indiretamente, o que implica não admitir excessos na concentração de poder. No entanto, o que se vê na prática é que há um arranjo institucional no qual poder de decidir se uma autoridade será responsabilizada está situado, ou melhor, sitiado apenas em dois gabinetes: o do presidente do Senado e o do presidente da Câmara.

Com efeito, o processo de impeachment, especialmente quando se trata de ministros do Supremo Tribunal Federal, revela com nitidez essa distorção, na medida em que o poder tem dono, endereço e chave de gaveta.

Em primeiro lugar, no caso do Senado, cabe exclusivamente ao presidente da Casa decidir se um pedido de impeachment será levado adiante ou simplesmente ignorado. Não há prazo legal, justificativa pública e/ou deliberação colegiada. O que existe decorre de pura criação de artifício regimental.

Por sua vez, na Câmara dos Deputados, o cenário é semelhante. O presidente da Casa detém o poder exclusivo de aceitar ou rejeitar pedidos de impeachment contra o Presidente da República, conforme interpretação da Lei 1.079/1950, art. 19, e do Regimento Interno da Câmara, art. 218. Também aqui não há colegiado, rito vinculante ou contraditório. A decisão é monocrática — e, frequentemente, política.

Contudo, esse modelo não encontra respaldo nas democracias consolidadas. Nos Estados Unidos, o processo se inicia com votação na Câmara. Na Alemanha, exige-se deliberação do Bundestag e julgamento pelo Tribunal Constitucional [Basic Law, Art. 61]. Na França, a admissibilidade depende da maioria das duas casas legislativas [Constitution of France, Art. 68]. Na Índia, o rito exige dois terços de ambas as casas [Constitution of India, Art. 61]. É de se dizer que em nenhuma dessas nações democráticas há espaço para o engavetamento da democracia.

Ocorre que o art. 52, inciso II, da CRFB atribui ao Senado a competência para “processar e julgar” ministros do STF, ao passo que o art. 86 confere à Câmara o papel de admitir o processo de impeachment presidencial. Todavia, ambos dispositivos foram capturados por uma prática política que transforma os presidentes das Casas em verdadeiros porteiros da República. E quando a porta não se abre, ninguém entra.

A Constituição estabelece a separação de Poderes (art. 2º), porém o que se observa é um pacto informal de não agressão: o Legislativo se omite, o Judiciário se expande, e o Executivo negocia. Por isso, a democracia se converte em um jogo de bastidores, no qual o povo assiste, e o regimento interno parece valer mais que a própria Constituição.

Conclusão:

Em suma, dentre diversas outras providências, como rever competências legislativas e judiciárias, é urgente repensar esse modelo. Não por revanche, mas por coerência institucional, porque, como se vê, a admissibilidade de um pedido de impeachment não pode ser prerrogativa de uma única pessoa. Deve ser colegiada, transparente, fundamentada.


Por isso, a democracia não cabe em uma gaveta. E quem guarda demais, esconde.

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