Há uma incômoda verdade que evitamos admitir: os vilões não nascem, são feitos. A sociedade, com suas feridas abertas e contradições profundas, fabrica os monstros que depois tenta destruir. O cinema, espelho em que projetamos nossos medos e culpas, revela isso com clareza. O Coringa, em sua versão vivida por Joaquin Phoenix, não é apenas um psicopata isolado — é o produto de um mundo que o ignorou, humilhou e riu dele até que o riso se tornasse vingança. O caos que ele encarna não é gratuito; é a resposta distorcida de um homem que tentou pertencer e foi empurrado para a margem.
Do mesmo modo, a Arlequina de O Esquadrão Suicida — carismática, trágica, violenta — surge não como uma figura do mal puro, mas como um espelho das relações abusivas e da cultura de manipulação que a sociedade tolera e até romantiza. A psiquiatra brilhante que sucumbe ao fascínio do crime é o retrato de como o amor doentio e o sistema que o legitima podem deformar até mesmo os ideais mais nobres. E poderíamos ir além: pensemos em personagens como Magneto, cuja vilania nasce do trauma de ter sobrevivido ao Holocausto, ou até mesmo em Walter White, o professor medíocre de Breaking Bad, que se transforma em traficante por ressentimento social e orgulho ferido — o anti-herói moldado pelas frustrações do capitalismo tardio.
Esses retratos são metáforas para algo mais sombrio: os vilões da vida real que emergem das fissuras de uma sociedade desigual e indiferente. Assassinos formados por contextos de miséria, políticos corruptos oriundos de estruturas que premiam a esperteza sobre a ética, líderes extremistas que canalizam o ódio incubado nas massas desamparadas — todos, de certa forma, são filhos legítimos do mesmo ventre que diz abominá-los. Hannah Arendt, ao analisar a banalidade do mal, mostrou como o mal não nasce do demônio, mas da obediência cega e da ausência de reflexão. O mal, quando institucionalizado, torna-se quase administrativo: é o funcionário que cumpre ordens, o cidadão que nada faz, o espectador que aplaude o espetáculo da violência.
A sociedade cria seus vilões quando transforma a exclusão em rotina e o sofrimento em paisagem. Quando o lucro vale mais que a empatia, quando a indiferença é a norma, quando a humilhação é entretenimento — ali se moldam os futuros coringas, arlequinas e walters. A tragédia é que, depois, a mesma sociedade exige que sejam punidos, sem reconhecer que foram, antes, frutos de um terreno fértil de desilusão e descuido coletivo.
Como escreveu Jean-Paul Sartre, “o inferno são os outros” — mas, talvez, o inferno sejamos nós mesmos, quando perdemos a capacidade de enxergar a humanidade no outro. Criamos monstros para justificar o medo que temos do espelho. E, entre aplausos e apedrejamentos, seguimos orgulhosamente inocentes, acreditando que o mal é alheio, quando, na verdade, ele tem nossas digitais.

