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domingo, 21 de abril de 2024

Reunião de emergência no Conselho de Segurança

Quem controla a mídia, controla a mente.

Jim Morrison

Existem semelhanças que complicam a vida das pessoas. Ter o mesmo nome, sobrenome, apelido ou aparência de celebridades pode causar dor de cabeça. Às vezes a culpa é dos pais, que escolhem nomes de famosos na esperança de que se tornem alguém importante. Outras vezes é pura coincidência ou simplesmente azar. É assim que são batizados os Waldisney e os Joleno (John Lennon), casos reais. Ser sósia de famosos pode dar alguma grana como dublê, mas também causar prisão e homicídio enganoso.

Muitos desavisados e mal informados confundem nomes e ignoram diferenças de décadas ou séculos entre os fatos. No auge da Covid 19, a TV mostrou o idoso William Shakespeare na fila da vacina em Stratford Upon Avon. A âncora elogiou o exemplo do “famoso escritor”, ignorando que o Bardo morreu há mais de 450 anos, coincidentemente naquela mesma cidade.

Dono de banca de jornal nos Jardins, Sebastião Henry, quando não atende fregueses lê sobre política internacional. Filho de motorista do consulado americano com uma copeira, Tião Henry é fã de grandes estadistas. Suas filhas são: Golda (Meir), Indira (Gandhi), Margareth (Thatcher) e Ângela (Merkel). O caçula e único menino, é o Kissinger Henry. Tião preferiu o sobrenome do famoso diplomata para que o garoto não se chamasse Henry Henry.

Nenhum deles seguiu carreira no Itamarati, ou qualquer carreira, exceto Indira, fã de carreira de coca, hoje cumprindo pena por tráfico. Kissinger Henry foi quem melhor se saiu: é cantor na churrascaria Chica-Bom. Seu repertório têm músicas hispânicas, italianas e americanas, com pronúncia tão ridícula quando o português sofrível. Mas faz sucesso e foi convidado para cantar na inauguração da filial da Chica-Bom em New York (cita sempre o nome da cidade em inglês).

Ganhou um terno novinho e cantou até altas horas. A clientela bêbada e o som ruim disfarçaram a péssima pronúncia. Sorte que os pedidos eram de músicas brasileiras e latinas. Terminada a apresentação, pegou jaqueta e saiu. Dois homens o viram na rua e leram nas costas de jaqueta: “Quem controla a mídia, controla a mente – J. Morrison”. É ele, pensaram. 

  • Senhor, por gentileza, qual é seu nome?
  • Ah? É Kissinger, Henry. Por quê?
  • Kissinger, Henry? Só pode ser parente do cara. Vamos!

Colocaram Henry no carro, avisaram à chefe e disseram que era esperado num encontro urgente. Meio grogue, ele pensou que teria de cantar em outro lugar.

Assim que chegaram à sede da ONU, uma assessora o acompanhou à sala do Conselho de Segurança, onde várias pessoas igualmente sonadas o aguardavam. Havia um cartão com seu nome diante de uma cadeira vazia e ele foi aplaudido ao chegar. Um assistente do vice assessor do Subsecretário Geral Adjunto iniciou a reunião de emergência para analisar o conflito.

  • Precisamos encontrar um Corredor Humanitário.
  • Corredor do mictório? Onde fica? – perguntou Henry misturando portunhol com inglês.
  • Beirute não vai querer – alguém comentou.
  • Vou querer um Beirute, sim – bocejou Henry.
  • Isso pode ser uma cilada russa.
  • Salada russa com beirute? Não combina.
  • E se houver outra incursão do Hamas?
  • Lo sinto. Jamás permitiremos – disse Henry, desmaiando de sono.

Aquela reunião era pró forma, para mostrar à imprensa que estavam se mexendo. Os membros do Conselho, que ganham bem e pouco fazem, só se reunirão em alguns dias, torcendo para que algo aconteça e não terem de fazer nada. Ninguém conhecia Henry, mas a fama o precede. Afinal, ele é sobrinho neto do famoso tio avô, ou pelo menos era o que pensavam.

Após outros pronunciamentos aleatórios, bateu fome geral. A secretária teve de deixar o papo com a namorada para pedir pizza, cerveja e café. Ao raiar do dia, os assessores foram embora, não sem antes consignarem em ata uma importante recomendação aos membros do Conselho: Convoquem as partes envolvidas para discutir o impasse lá na churrascaria Chica-Bom, com muita música, picanha e cerveja. Vocês têm um orçamento de US$ 3,3 bilhões e precisam fazer alguma coisa, mesmo que não dê em nada. Como sempre!

  • Interessante essa frase na jaqueta esquecida na cadeira: Quem controla a mídia, controla a mente. Quem é J. Morrison? – perguntou o presidente do Conselho.
  • Acho que é um filósofo, ou algum pensador do iluminismo, quem sabe?

Quem elucidou a dúvida foi a tia do café, enquanto retirava as xícaras: Jim Morrison foi vocalista do The Doors e tinha Q. I. 149, maior do que a soma dos membros do Conselho. R.I.P., Jim!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

8 COMENTÁRIOS

  1. Eu acho, veja bem, acho, que esse conselho, com o J. Morrison ou não, vale mais que dez governos (pode usar i trocadilho), do atual khan do Braziw.
    Ótima crônica!
    Obrigado.

  2. Laerte, parabéns pela crônica. Um texto leve com vários personagens que vão costurando aos poucos uma cena plenamente visível na nossa imaginação. O uso de fatos baseados no nosso cotidiano torna a trama atraente, com a dose certa de comicidade.

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