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quarta-feira, 24 de abril de 2024

O leilão e um corpo estendido no chão

Iva acordou com o burburinho na rua e a ressaca bloqueou as lembranças da noite anterior. Não reconheceu a mesinha de cabeceira, o abajur, não sabe aonde está, nem como foi parar lá. O outro travesseiro estava amarrotado, mas não havia ninguém na cama. Sentou-se e viu uma minissaia pink e uma camiseta branca, ambas molhadas e penduradas no ventilador do teto. Iva estava nua! Levantou-se e afastou a cortina para conferir a origem do ruído. Pessoas observavam um corpo estendido no chão, de bruços, parcialmente coberto com num pano estampado. Tentou identificar a tatuagem na panturrilha, mas era noite e estava escuro.

Confusa, ouviu o som da descarga. Voltou para debaixo da coberta enquanto alguém saia do banheiro envolto em uma toalha de banho cujo tecido mais parecia lixa de madeira. Cabeça abaixada, segurava um cigarro torto na mão direita e com a esquerda coçava a região inferior central. Iva manteve a calma e a coisa falou:

  • Que festa!
  • Que festa!? – murmurou num misto de exclamação e interrogação.
  • Você está melhor? 
  • O que aconteceu?
  • Ainda bem que me deixou tomar banho no seu apartamento.
  • Meu apartamento? Pensei que fosse seu apartamento!
  • Que festa!
  • Que festa!

Estatura mediana, barriguinha saliente, cabelo curto e cinza, rosto enrugado como leito seco de rio, não era ninguém que conhecesse. A visão enevoada não lhe permitiu sequer identificar o sexo. Banhado, penteado e bem vestido, talvez tivesse 50 anos. No atual estado, mais uns 12. 

  • Tem um corpo estendido na rua, com um pano cobrindo o rosto. 
  • Ainda está lá? Pensei que tivesse curado da ressaca.
  • Você reconhece? Quem é?
  • Algum babaca que bebeu muito e a mulher foi buscar no boteco.

Iva queria mais informações, porém a criatura disse que precisava ir embora. Virou-se de lado e pegou algo no chão, que podia ser tanto fraldão geriátrico quanto roupa íntima tamanho GGG. Apoiou-se no batente, deixou a toalha cair e vestiu a coisa com a marca de freada de pneu de bicicleta voltada para trás. Era uma enorme calcinha, ou cueca. Não deu para distinguir. O peito pequeno e flácido junto à barriga podia ser tanto masculino como feminino. Iva puxou a coberta até a cabeça para não ver nada e ficou quieta esperando a coisa ir embora. Não sabe estimar quanto tempo se passou.

Iva acordou com o burburinho na rua e a ressaca bloqueou as lembranças da noite anterior. Não reconheceu a mesinha de cabeceira, o abajur, não sabe aonde está, nem como foi parar lá. O outro travesseiro estava amarrotado, mas não havia ninguém na cama. Sentou-se e viu uma minissaia pink e uma camiseta branca, ambas molhadas e penduradas no ventilador do teto. Iva estava nua! Pensou já ter vivido o momento, mas não tinha certeza. Era tudo muito estranho!

Confusa, ouviu o som da descarga. Voltou para debaixo da coberta enquanto alguém saia do banheiro envolto em uma velha toalha de banho, cujo tecido mais parecia lixa de madeira. Cabeça abaixada, segurava um cigarro torto na mão direita e com a esquerda coçava a região inferior central. Então ouviu um forte arroto, dois puns estridentes e uma fungada. Não teve dúvida: era seu namorado!

  • Viu minha cueca?
  • Soraio, o que aconteceu?

Bem humorado, ele contou que foram à festa de aniversário do Bigode, no bar do Fuinha. Ela não quis comer, para manter a linha, mas misturou Rabo de Galo com Corotinho de morango, Bombeirinho e vinho licoroso. Após vencer o concurso de camiseta molhada, Iva subiu no balcão do bar e disse que tiraria toda a roupa mediante lances mínimos de R$ 100,00 por peça.

  • Poxa, amor. Por que você não me impediu?
  • Era seu momento de glória e eu estava limpando o pessoal no pôquer. 
  • Que lugar é esse? Como vim parar aqui?
  • É a quitinete do Bigode, em frente ao bar. Ele viu seu estado e emprestou a chave.
  • Nossa! não lembro de nada! De onde vem esse burburinho? 
  • São 5 da manhã. Os feirantes estão montando as barracas.
  • Eu vi um corpo estendido no chão.
  • Não tem mais nenhum corpo. Quando tiramos você do bar, o Bigode tropeçou e aterrizou de barriga no asfalto. Mas logo se levantou e voltou para a festa.
  • Quem é aquela coisa que saiu do banheiro, só de toalha?
  • É a dona Raimunda, mãe do Fuinha. Ela me ajudou a te trazer para cá. Você vomitou, nós te demos banho, ela descansou um pouco, eu fui buscar roupas limpas e voltei ao bar para fechar a conta. Aí ela também tomou banho, saiu e eu cheguei de volta.
  • De quem são essas roupas penduradas no ventilador? Onde estão as minhas?
  • Você leiloou, lembra? Uma piriguete emprestou essas para você sair do bar.
  • Poxa! Não me lembro de nada. Você deve estar muito bravo comigo.
  • Tá brincando? O leilão rendeu mais de R$ 780,00, distraiu o povo e eu ganhei uma boa grana no pôquer. Sucesso total! O pessoal quer saber quando você volta. Uma noitada dessas por semana e largo o emprego. Minha menina super poderosa!
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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