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segunda-feira, 29 de abril de 2024

O velho raizeiro

Não sei como um homem daquela idade aguentava ficar tanto tempo agachado. Quando alguém perguntava quantos anos tinha, ele mandava contar quantas rugas tinha na cara que só assim iria conseguir saber. Ele nunca falava a sua idade, mas dizia que tinha muita experiência, que a saúde estava em dia e que ainda “comparecia com a patroa” e que isso era graças a uma garrafada que preparava com uma mistura de plantas e raízes que aprendeu com o pai e que “dotô” nenhum conhecia, mas que se a gente quisesse comprar, ele vendia os ingredientes certos e ainda ensinava a preparar.

Aos sábados, quando andávamos pelo centro da cidade e passávamos pela praça principal, já ouvíamos logo aquela voz meio metálica que vinha do alto falante, um daqueles antigos que eram mais comuns de se ver no alto de um poste ou em cima da kombi que vende ovos, que funcionava ligado a uma bateria de carro e a um microfone que ficava preso no grosso fio de energia que foi entortado para formar um pequeno círculo em volta dele e outro maior que era encaixado no pescoço do anunciante. A voz dizia: “- Psiu! Ei, você!”, e continuava, ora oferecendo a solução para diversos problemas de saúde, ora garantindo que só ali se encontrava o verdadeiro “Viagra Natural”.

Da primeira vez que comprei uma planta para fazer chá, foi um pacová. Eu estava com uma azia que não passava nunca, e como se tivesse adivinhado, foi exatamente o que o velho raizeiro anunciou no alto falante naquele dia, exatamente na hora que eu estava passando. Achei tão curiosa a coincidência que acabei comprando o seu produto. Durante uma semana eu tomei aquele chá e finalmente me vi livre da minha queimação. Meu ceticismo em relação à medicina popular havia acabado.

Da segunda vez, minha esposa passava por uma das piores cólicas de sua vida e eu enfrentava a pior TPM de todos os tempos. O velho “receitou” carapiá, um “santo remédio” que a avó e a mãe dele usavam quando estavam “naqueles dias” e era a única coisa que funcionava, elas ficavam bem, cheias de disposição para o trabalho na roça e “calminhas, calminhas”. Comprei uma sacola lotada até a boca daquilo e levei para casa.

O preparo do chá era bem simples: ferver, coar, esperar esfriar e tomar. Segui os passos, pus em um copo e ofereci à minha esposa, que já foi logo dando uma golada e, logo em seguida, cuspindo tudo no chão: “- Credo! Que troço horrível! Amarga igual a um não sei o que!”. Falei para ela que remédio não é para ser gostoso, é para curar e que o meu também não era bom, mas funcionou. Ela tomou aquele chá todos os dias até o final “daqueles dias”. Como não há nada tão ruim que não possa piorar, piorou. O mau humor não passou, pelo contrário, agora havia se juntado com a raiva por ter tomado aquele chá amargo que não funcionou. Sobrevivi, mas nunca mais volto naquele raizeiro.

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