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domingo, 21 de abril de 2024

Salgado no saco de papel

Toda vez que pego um ônibus, para qualquer bairro que seja, sempre tem alguém comendo uma coxinha ou um pastel num saco de papel pardo com uma mancha úmida de gordura. A pessoa abre o saco, puxa o salgado um pouco para fora, dá uma mordida, passa a língua entre os lábios para tirar os farelos, enfia o salgado de volta no saco e começa a mastigar, tampando a boca com umas das mãos. Tudo isso com uma postura encurvada, quase corcunda, e um olhar desconfiado para os lados, como se estivesse comendo escondido, com medo de alguém pedir um pedaço. Eu que não seria. Nem aceitaria se me oferecesse. Mas só pelo egoísmo, fico desejando que tenha uma baita duma azia.

Acho que nem todo mundo pára para pensar com mais frieza nos detalhes da forma que deveria. Além do ônibus não ser o local mais indicado para se fazer um lanche, por causa da quantidade enorme de gente que colocou as mãos no mesmo lugar que você, pessoas de higiene duvidosa, por exemplo, não se pode esquecer que você pegou no dinheiro para pagar o salgado e a passagem. Qual foi a mão que segurou aqui e ali? Qual foi a que pegou no dinheiro? Qual vai segurar o saco engordurado? Qual vai puxar e enfiar o salgado de volta no saco?

Quando vejo uma pessoa comendo naquele lugar, tudo isso passa pela minha cabeça e meu estômago já fica embrulhado. Se estiver com fome, perco o apetite na hora. Mas ela, não! Ela está lá, com aquela mão suja, se deliciando com aquele salgado como se ele fosse a refeição mais deliciosa desse mundo, tão gostosa que vai mastigando, mastigando, mastigando e nunca engole. Na maioria das vezes demora uns 10 minutos para dar mais uma mordida. Sempre deixando cair um monte de farelos na blusa que, se for de lã, que é a que agarra mais, acaba virando uma árvore de Natal de casquinhas de pastel, pedacinhos de carne moída, fiapinhos de frango, entre outros “enfeites”.

Mas o pior de tudo mesmo é a pessoa ser egoísta. Apesar de estar comendo um lanche gorduroso, sujo e babujado, ela acha que todos os outros passageiros do ônibus estão mortos de fome a ponto de não conseguir esperar chegar ao destino para comer alguma coisa e cobiçam seu salgado como se ele fosse a última comida disponível na face da Terra. Cada vez que o ônibus pára em um ponto, parece que dá para ver escrito na cara dela: “menos um” ou “menos dois”.

Chega uma hora que, por estar satisfeita, ou por estar com muito medo de dividir, a pessoa simplesmente pára de comer, guarda o restante no saco, dobra ele várias vezes e guarda dentro de uma bolsa ou mochila para terminar mais tarde. O que acontece depois, nunca vou saber. Eu sempre desço antes.

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