26.3 C
São Paulo
terça-feira, 30 de abril de 2024

A Taça De Cristal

Capítulo Vinte e Quatro

Estava só. Encolhida, escondida, enregelada. O pavor a dominava. De que tinha medo? Não podia precisar, com certeza. Mas, fosse o que fosse, era algo apavorante. O simples farfalhar das folhas já lhe causava arrepios. O uivo do vento passando entre as árvores era assustador… um barulho… um galho se partindo… o pio da coruja, ao longe…uma sombra projetada pelo clarão da lua… tudo era fantasmagórico, tudo aumentava seu pavor, sua sensação de abandono… era um medo irracional… mas ela não tinha como dominá-lo… então, de repente, em um ímpeto, saiu a correr pela mata adentro, sem se preocupar com pedras, gravetos, espinheiros…

Durante a corrida, Helena acabou tropeçando em uma raiz saliente de uma árvore e foi ao chão, seu rosto ferido pelas folhagens e pedras espalhadas por todo o solo… o gosto ácido de terra molhada e sangue ainda quente se espalharam por sua boca. Ela não conseguia se controlar e algumas lágrimas de desespero rolavam por sua face.  Mas conseguiu se recompor rapidamente. Sentou-se sob a copa da árvore onde tropeçou e tentou ouvir algum som, de qualquer lugar… e tudo que tinha como retorno era o silêncio ensurdecedor. Não se ouvia nenhum barulho característico da mata … só o nada… era noite, mas ainda assim não conseguia ouvir os sons noturnos tão desejados… seu coração parecia querer saltar fora pela boca, e para se acalmar, começou a acertar as dobras de sua saia com a ponta dos dedos.  Sua saia estava suja, amassada, Helena percebia mesmo na penumbra. Seu joelho estava machucado, sua pulsação acelerada… ela se recostou no tronco da árvore e fechou os olhos, tentando relaxar… mesmo à noite, Helena conseguia perceber a beleza selvagem do lugar. Não fosse a situação pela qual passava, e se sentiria no verdadeiro Paraíso na Terra… massageou o joelho ferido e não conseguiu conter o gemido que escapou de seus lábios. Tentava escutar a mata, e apenas aquele silêncio inquietante se manifestando… fazia de tudo para se acalmar, precisava se acalmar, pois certas coisas não existem, não podem existir. Quando se é criança, quando se tem cinco, seis anos, tudo é normal, o mundo é mágico. Mas uma mulher adulta, com vinte e cinco anos, não pode se deixar levar por fantasias…. mas, no entanto, ela tinha certeza do que viu… ela sabia estar no meio de um pesadelo, mas as sensações eram tão vívidas… os monstros imaginários da infância não deveriam ter o poder de atacá-la, e, no entanto,…

Helena procurou se levantar, se apoiando na árvore, tentando recuperar o equilíbrio. Deu um passo, o pé lhe doeu horrivelmente, seu joelho estava latejante. Mas ela sabia que tinha que sair dali, pois ouviu um barulho que não lhe agradou de forma alguma… no princípio era apenas um barulho fraco, mas ia aumentando a intensidade. Ela não saberia dizer se era o medo que a fazia sentir-se assim, mas de repente a noite ficou mais escura, mais pesada…. sua pulsação começou a acelerar novamente, um gosto ruim, amargo tomou conta de sua boca. Apesar da dor que sentia em sua perna, começou a correr, tentando fugir daquilo que tanto a apavorava…

Sua saia ficou presa em um galho, ela a puxou violentamente e continuou sua fuga. O salto de seu sapato se quebrou, causando-lhe uma nova queda ao chão. Colocou-se de pé como um raio, descalçou os sapatos, jogou-os na mata e continuou a correr. As pedras e gravetos machucavam seus pés, mas ela seguia em sua fuga… então…

Uma criatura horrenda surgiu a sua frente… os olhos vermelhos como brasa a fitavam… um simulacro de riso surgiu no que seria o rosto da criatura, e ela estendeu suas garras em direção a Helena… que saltou da cama e caiu no piso…o suor escorria por seu corpo… a moça estava simplesmente apavorada…

Helena olha o relógio… três horas da madrugada! Sempre a mesma hora… sempre o mesmo sonho…  ela se encontra perdida em uma floresta, um monstro a persegue… e por muito pouco não consegue levar a cabo seu intento … ela sempre acorda no momento do ataque final… o que ela teria que fazer para conseguir uma noite de sono tranquila? Será que sua mãe poderia ajudá-la? Não, isso seria loucura… se contasse seus pesadelos para sua mãe, com certeza acabaria sendo levada para uma igreja e teria que participar de todas as novenas que ela achasse necessário para que Helena reconquistasse sua paz de espírito… não, era melhor conversar com um psiquiatra… e então resolveu que, assim que amanhecesse, marcaria uma consulta…

Como sabia que não conseguiria adormecer novamente… não enquanto o pavor do pesadelo estivesse presente em sua alma… Helena foi até a cozinha, preparar um chá de erva cidreira… aprendera a receita com sua mãe, pois sempre que estava nervosa, com medo de alguma coisa, lhe ministrava este chá. Fez bem doce, pois era assim que gostava. Pegou uma xícara, começou a sorver lentamente a bebida, com o olhar perdido no infinito. Aos poucos foi se acalmando, mas não o suficiente para voltar para a cama. Resolveu que iria assistir um filme, de preferência um que tivesse o dom de fazê-la dormir novamente. Foi em sua estante e escolheu o filme “Irmão Sol, Irmã Lua”… a história de São Francisco de Assis e de Santa Clara… e sabia que seu sono estava garantido, pois nunca passou mais de quinze minutos em frente a tela de TV quando resolvia assistir a essa história… haviam outros filmes tão bons quanto, é claro… “E La Nave Va” seria outra opção…

Helena instalou-se no sofá e cobriu-se com sua manta favorita… vermelha, toda enfeitada de flores… essa manta a acompanhava desde pequenina, pelo que sua mãe lhe contou, ela pertencera a seu pai, quando ele era criança, também… colocou o bule onde estava o chá sobre a mesinha de centro e serviu-se de mais uma dose. O filme começou a rodar e o sono foi chegando de mansinho, pouco a pouco… depositou a xícara na mesinha, ao lado do bule, cobriu-se completamente e aos poucos seus olhos foram se fechando, e quando se deu conta já eram oito horas da manhã… Meu Deus, era oito ou oitenta… ou acordava muito cedo… e três horas realmente era muito cedo… ou perdia a hora, acordando quase uma hora  após a abertura da loja… e ela era uma das vendedoras que faziam a abertura… enfim, paciência… teria que enfrentar o olhar de reprovação do gerente… isso se ele a deixasse trabalhar, já que o atraso seria grande… resolveu que não adiantaria nada ficar pensando no caso, então ligou para a loja e explicou a situação… como previra, o gerente a dispensara do expediente… não era nenhuma bondade, uma vez que ela era comissionada e, se não vendesse, simplesmente não teria salário… Como o que não tem remédio remediado está, resolveu não chorar sobre o leite derramado e tratou de ligar para várias psicólogas, tentando agendar uma consulta.  Deu um pouco de trabalho, mas Helena finalmente conseguiu marcá-la, e o melhor de tudo era que sua consulta seria naquela tarde, mesmo….

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

2 COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Reflexões

Brincar de “Poliana”

A batalha da vida

Quem somos nós?

Patrocínio