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quarta-feira, 24 de julho de 2024

A ilusão da Democracia

Muitos brasileiros ficaram (e ainda estão) estarrecidos com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para Presidência da República, vários então passaram a apontar os erros da campanha de Jair de Bolsonaro, a ineficiência da oposição, entre outros fatores. No entanto, o cerne principal dessa questão, que poucos atualmente discutem, é de ordem institucional, regra essa estabelecida em todas as nações de primeiro mundo: a vedação, em qualquer hipótese, de um terceiro mandato para o cargo de chefia do Poder Executivo, algo inexistente em nosso ordenamento jurídico.

A origem desse preceito, nas democracias modernas, remonta aos Estados Unidos da América, surgindo quando George Washington e Thomas Jefferson, primeiro e terceiro respectivamente Presidentes do País, abdicaram de concorrer, ao término de seus segundos mandatos, à reeleição. Washington por estar cansado da vida pública, mormente o seu desgaste com a oposição e o declínio de sua saúde, enquanto Jefferson por convicção pessoal, já que defendia a limitação do número de mandatos. Com isso, a conduta de ambos os políticos tornou-se uma tradição, vinda a ser mantida pelos sucessores do cargo.

Esse precedente apenas veio a ser rompido com Franklin D. Roosevelt, eleito para quatro mandatos seguidos! Ele dirigiu o país em meio aos momentos mais ímpares do Século XX – notadamente, a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial –, sendo um introdutor do Estado de bem-estar social nas terras americanas, alcançando enorme popularidade. Seu histórico serviu de argumento para o estabelecimento da 22ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, formalizando o legado de Washington.

Na história de nossa República, a possibilidade de reeleição por parte dos chefes do executivo sequer era permitida. Todavia, mesmo com esse mecanismo, os arroubos autoritários não deixaram de existir, principalmente por parte de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Getúlio Vargas, esse o responsável pelo fim da Primeira República, e alguns o apontam como um dos desencadeadores do Regime Militar, haja vista a crise de governo que culminou em seu suicídio, levando à movimentação de 11 novembro – coordenada pelo então Ministro da Guerra, Henrique Lott –, intitulada de contragolpe (que apenas postergou a movimentação de 64), para garantir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, ambos varguistas, sendo o último deposto pelos militares posteriormente.

O presidencialismo confere a uma só pessoa enormes poderes, pois ela é, ao mesmo tempo, chefe de governo e estado, estando a sua força residindo, no caso, em nossa realidade brasileira, sobretudo na prerrogativa de indicar nomes para funções-chaves na máquina pública, como magistratura, generalato e diplomacia. Apenas a hipótese de influir no Judiciário, já subverte a democracia, o que hoje infelizmente observamos, a julgar pela composição de nossos tribunais superiores, com alguns ministros de conduta questionáveis. Ora, a própria noção de República pressupõe a rotatividade de representantes, senão findaria em “monarquia eletiva”. Ademais, concentrar e centralizar poderes são intrínsecos ao autoritarismo, bastando a um ímpio ter essas prerrogativas para que se concretize o despotismo. Portanto, evocando a sabedoria popular: “é melhor prevenir do que remediar”.

A possibilidade de reeleição foi instituída, em nosso ordenamento, pela 16ª Emenda à Constituição, de autoria de Mendonça Filho, então Deputado Federal por Pernambuco, com amplo apoio de Fernando Henrique Cardoso. A votação foi marcada por escândalos e denúncias de compra de votos, afora a prioridade que lhe foi conferida pelo governo federal em sua aprovação, em detrimento de outras matérias de mais urgência. O texto logicamente autoriza a recondução para um mandato subsequente, entretanto torna somente inelegível aquele que pretende ser reeleito por uma segunda vez de forma consecutiva. Permitindo, portanto, ilimitados exercícios, devendo meramente cumprir uma “quarentena” de quatro anos a cada oito. Seria essa “brecha” proposital ou incúria do legislador?

Os efeitos nocivos dessa permissividade eleitoral não tardaram em surgir, estando mais evidentes na política estadual. Não é incomum encontrar governadores que tenham exercido quatro mandatos e políticos se alternando entre o Congresso e o Governo de seus Estados. Em síntese, são verdadeiros caciques e coronéis, que somados ao jogo partidário – partidos estes que detêm o controle de legenda, ou seja, decidem quem será ou não candidato aos cargos públicos –, sufocam o aparecimento de reais lideranças populares. Essa conjuntura acaba por se refletir em âmbito nacional, cujo expoente máximo da falta de representatividade é o dito “Centrão”, parcela desprovida de estima pelos cidadãos, mas que desfrutam do poder de fato.

Nos idos anteriores ao pleito de 2022, a base governista de Jair Bolsonaro focalizou, como forma de garantir a lisura das eleições – mas que, em termos práticos, era uma sinalização de derrota à oposição –, a aprovação da PEC do voto impresso. Proposta cuja viabilidade era duvidosa, pois apenas questões logísticas – uma vez que a Justiça Eleitoral teria de se reorganizar completamente, adaptar urnas, entre outras medidas ensejadoras de tempo e custo –, já atraíram a antipatia do então Presidente do TSE, à época, Ministro Luís Roberto Barroso (figura com forte networking, não muito diferente de seus “companheiros de Tribunal”). Some-se a isso a resistência então presente entre os parlamentares e terás a tragédia completa.

Impedir a volta do petismo – quiçá da própria esquerda como um todo, posto que ela apenas conseguiu se eleger por conta da figura de Lula – era uma tarefa das mais simples, sendo suficiente somente reformar um artigo da Carta Magna, fixando os detentores de dois mandatos, não importando se eles os exerceram subsequentemente ou de modo espaçado, como inelegíveis. Apoio político decerto não lhe faltaria, porquanto atenderia aos nossos próprios interesses e aos da famigerada “terceira via”, capitaneada por Tebet e Ciro Gomes, ambos com consideráveis eleitores, possuindo boas chances de vitória em um eventual segundo turno com Bolsonaro. Entretanto, com tudo isso posto, pensar que meramente eu e algumas outras pessoas vislumbraram essa possibilidade é ingenuidade, por isso deixo-vos a seguinte reflexão: nós, o povo, que conduzimos os destinos do país, ou simplesmente a elite política, que finge ter desavenças entre si, dá-nos essa ilusão? O café com leite de outrora nunca acabou?

Autor:

João Mourão

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