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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Terapia de casal

Adalgisa, a Dal, 32 anos, linda, culta, terapeuta de casais, esta atrasada para uma dinâmica, pegar o filho na escola, leva-lo à casa de seus pais e terminar o namoro com Brutus, urologista especializado em vasectomia, rico, ogro, insensível e de gostos violentos. Demorou-se no ateliê de Apolônio, o Popô, seu ex noivo, decorador de interiores, um romântico sonhador que não consegue manter relações duradouras. Ficaram juntos apenas dois anos e ele anda meio deprê.

Dal vive um dilema: ajudou centenas de casais a manter, aprimorar ou reatar relações, mas ela mesma não consegue ter um parceiro constante. Seu histórico de casos inclui um renomado chef enrustido, um engenheiro casado que omitiu o estado civil, um policial corrupto, um doleiro procurado pela Interpol, um operador logístico de alimentos (entregador do iFood), e por aí vai. Teve um filho com Apolônio, mas seus exames clínicos revelaram ser estéril de nascença e talvez o garoto seja do Xexéu, que dizia ser estilista, mas trabalhava no IML maquiando pessoas que encerraram a temporada terrestre. Ela o amava assim mesmo, mas um belo dia, do nada, Xexéu inventou de morrer. Aí apareceu Apolônio, o decorador inseguro.

Dal é meiga, gentil e pragmática. Apesar da formação humanística, é lógica, objetiva e direta. Não gosta dos joguinhos que as pessoas fazem: dizem não para dizer talvez e dizem talvez no lugar de sim. Os que só dizem sim não são confiáveis. Para ela, sim é sim e não é não, na lata, sem enrolação.

Quem agenda as dinâmicas é seu assistente Ascânio, ex ator pornô, ex BBB, hoje físico quântico e desenvolvedor de games que criou um aplicativo para analisar dados dos casais e sugerir arranjos afetivos. Preocupado com o atraso, Ascânio enviou mensagens, telefonou e foi buscar Dal com seu carro. No trajeto, atualizou-a sobre os casos da terapia da tarde: Cidona e Ariel, ricos e simpáticos, vivem às turras. Ela é judoca, ama rúgbi, MMA e motocross. Ele é caseiro, prefere comédias românticas e cuidar de suas flores e gatos. Orlanda e Natanael, juntos há quatro anos, estão à beira do divórcio. Ela é enfermeira na Lapa e ele vigia noturno na Penha. São apaixonados, porém nunca cruzaram, pois quase não se cruzam.

A metodologia de Dal é sensorial, psicodramática e behaviorista de fundo Junguiano, mistura da Porta da Esperança com Datena. Os casais expõem seus dilemas sem pudores, invertem papéis, desenham etc., mas esses dois casos não evoluem. São os mais antigos e complexos, o tempo passa e nada de solução. Após 90 minutos, Dal, angustiada pensou em propor nova sessão, quando Ascânio sugeriu pausa para café e a chamou para conversar:

  • Liguei para seu ex e seu atual namorado. Estão a caminho.
  • Por que chamou aqueles dois? No que você está pensando?
  • Enquanto você conduzia a dramatização, eu observei pelo monitor de TV, inseri as informações no aplicativo que desenvolvi e o algoritmo sugeriu uma combinação um tanto heterodoxa.

Sem alternativa, Dal concordou, até porque Brutus e Popô tinham acabado de chegar. A sessão recomeçou bem diferente, com dois casais, dois estranhos, Ascânio como moderador e Dal como observadora. O aplicativo sugeriu trocar os casais e em menos de uma hora todos estavam felizes e satisfeitos com os novos arranjos.

Cidona e Ariel se separaram amigavelmente, sem ressentimentos. Ela e Brutus, macho alfa com hábitos e gostos similares, começaram a namorar. Ariel se associou a Popô no ateliê, nas flores, nos gatos, nas comédias românticas e no amor. Orlanda e Natanael continuaram juntos, felizes e apaixonados. Ela é enfermeira de Brutus, o urologista ricaço, e ele é vigia diurno na clínica.

Ascânio e Dal buscaram o filho dela na escola e o deixaram na casa dos avós para passar o fim de semana no sítio. No caminho de volta, analisaram os resultados: 

  • Livrei-me do namorado ogro, sem crise, e o decorador encontrou sua alma gêmea. Consertamos a vida amorosa de seis pessoas numa tacada só.
  • Meu aplicativo funciona!
  • Seu aplicativo resolveu tudo. Você é mesmo diabólico! Engraçado, ajudo casais, mas eu mesma não consigo me acertar. No amor, vivo no inferno. 
  • Já que está no inferno, abraça o capeta!
  • Não entendi!
  • Tem compromisso para esta noite, chefinha?

Isso aconteceu há quatro anos. Dal e Ascânio estão juntos desde então e a clínica decolou com as terapias via aplicativo. Cidona e Brutus, Ariel e Popô, Orlanda e Natanael vivem felizes e às vezes se encontram para matar saudades dos antigos amores. Só Brutus é que anda preocupado porque sua enfermeira Orlanda está na terceira gravidez e vive em licença maternidade. Ascânio resolveu a questão: o aplicativo sugeriu adaptar a clínica para atender casos de infertilidade, com Orlanda e Nataniel doando material genético. Na terapia, nada se cria, tudo se transforma.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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