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domingo, 16 de junho de 2024

EDUCAÇÃO DOMICILIAR: farsa de uma sociedade doente.

A defesa da prática da oferta de educação domiciliar em detrimento da presença do aluno no ambiente escolar se sustenta na busca de autonomia dos pais sobre o processo de educação dos filhos, com maior controle sobre o conteúdo ao qual as crianças e adolescentes são expostos.

Essas famílias defendem o direito de escolher a modalidade de educação dos seus fihos, se baseando na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo XXVI, declara que prioridade do direito de escolher o gênero de educação dada aos filhos pertence aos pais.

Países como os Estados Unidos, Austrália, França, Itália e Canadá já legalizaram a prática. As famílias que optam pela educação domiciliar também manifestam o desejo de promover uma educação integral dos filhos, abrangendo estratégias de aprendizado individualizadas, formação de princípios morais conectados aos da família, socialização mais ampla das crianças em ambientes alternativos à escola, e ensinamento de valores como a disciplina, autonomia, autoestima e maturidade. Claro, que é preciso entender o contexto desses países especialmente em comparação à situação socioeconômica brasileira. Uma pesquisa recente demonstra que no Brasil o número de famílias interessadas nessa modalidade segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) é de aproximadamente 6 mil famílias. O que é um número muito pequeno para que se justifique a aprovações de uma Lei que garanta a coexistência desse sistema com o atualmente em voga no país.

Outra grande questão que leva famílias a optarem por esta modalidade, é a insatisfação com o ensino público e privado ofertado no país. Além de julgarem a qualidade ensino como ruim ou insatisfatória, os pais também acreditam que a educação domiciliar resguarda os filhos de possíveis problemas no ambiente escolar, como bullying, pressões sociais, e diferença de ritmo de aprendizagem entre os alunos da classe. O que também pode ser contestado pelas inúmeras experiências exitosas existentes em diversos municípios brasileiros, onde cada vez mais as redes municipais e estaduais assumem o protagonismo da educação escolar, promovendo a cada dia, uma melhoria significativa de vitórias nessa área. O argumento da ANED é segregaria, separatista, inconsequente e descomprometida com o país.

No Brasil, a educação é regulamentada pela Lei 9394/96 e as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica, que organizam e articulam o desenvolvimento e avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras. Na educação domiciliar, é mais difícil acompanhar e avaliar se grande curricular básica está sendo seguida, e portanto, se as crianças e adolescentes educadas pela família estão recebendo as instruções necessárias para o desenvolvimento de competências intelectuais, culturais e sociais.  Além disso, as crianças que estiverem nesse sistema, ficam ausentes da rede de proteção de crianças e adolescentes, já existente no país. Mesmo que haja uma avaliação anual, a única coisa que se está medindo é a absorção dos conteúdos, que não necessariamente são conteúdos válidos e pertinentes para uma sociedade diversa como a nossa. É uma maneira de esvaziar os currículos dos principais temas transversais necessários à formação de competências verdadeiramente humanas e colaboram efetivamente na formação do cidadão de bem, de verdade.

Além de tudo isso, e ainda falando da ausência do aluno da rede de proteção, que inclui a própria escola, os conselhos tutelares, o Ministério Público, as redes de assistência social dos municípios, os especialistas alertam que 80% dos casos de violência sexual de crianças e adolescentes são registrados dentro de casa, justamente por quem deveria proteger as crianças, e a maioria envolve pessoas da família. Sem a escola, as crianças e adolescentes perdem o acesso a essa rede.

Nos últimos anos o Brasil ocorreu um incremento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra crianças e adolescentes, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde e foram notificados mais de 200 mil casos de violência sexual, sendo 31,5% contra crianças e 45,0% contra adolescentes. A maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorreu dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares.

Uma das grandes preocupações, além dessa tão grave, é que ao serem educadas em casa, as crianças sejam privadas do convívio com outras crianças e atividades colaborativas, que são fatores importantes para o desenvolvimento intelectual e social dos indivíduos.

A essência do Estatuto da Criança e do Adolescente é a garantia do direito à educação e ao convívio familiar e comunitário, dentre outras coisas. O contra-argumento dos defensores da educação domiciliar, é que o convívio social poderia ser estimulado em outros espaços, como associações esportivas, religiosas, clubes e parques, porém, é preciso argumentar que não há como assegurar que este convívio será estimulado, e muito menos assegurar o contato com grupos diversos.

Na realidade essa demanda é um disfarce para cada vez mais elitizar os que ora já estão elitizados e produzir cidadãos, que possam em face à não percepção de questões fundamentais da formação completa do ser humano, não serem capazes de elaborar comportamentos de solidariedade, compaixão, comprometimento social, entre outros. Produzindo e reproduzindo os princípios que sustentam a sociedade moldada no capital, na essência do “Ter” e não do “Ser”.

Infelizmente, estamos passando por um momento na história política do Brasil, que favorece essa situação e que ao contrário do que se apregoa nessa ideia de “Homeschooling” trará malefícios irreparáveis à sociedade, sendo capaz de causar um prejuízo incalculável e consequências, as quais necessitaremos de décadas de investimentos e esforços para recuperar.

Autor:

Julênio Braga, Licenciado em Pedagogia, especialista em Psicopedagogia e MBA em Gestão e Docência do Ensino Superior. É graduado em Letras com habilitação em Ensino de Espanhol e em Gestão Desportiva e do Lazer, tendo feito também o curso Superior de Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. É Mestre em Gestão e Modernização Pública e Doutor (PhD) em Educação.

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