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sábado, 3 de agosto de 2024

Casagrande mentiu?

Na última segunda-feira, dia 23 de agosto, o ex-jogador e atual comentarista de uma grande emissora de televisão, Casagrande, expressou sua opinião sobre o retorno ao Brasil de jogadores que atuam na Europa e exemplificou com a suposta negociação do Flamengo com o zagueiro David Luiz.

Eu assisti o programa e o comentário de Casagrande. Apesar de polêmico, interpretei como um alerta interessante para atletas que se encontram afastados há anos do Brasil, vivendo com suas famílias em países que possuem, no geral, uma qualidade de vida superior a que temos por aqui.

Pouco depois fiquei surpreendido com as ácidas críticas do jornalista Thiago Asmar, muito conhecido como o Pilhado, ex-funcionário da Rede Globo, em seu canal do YouTube em relação à fala de Casagrande. Pensei, inclusive, ter perdido algo da fala do ex-jogador do Corinthians e resolvi rever a exposição de Casagrande e mantive minha primeira interpretação. Ele levantou aspectos que qualquer profissional, não apenas os jogadores de futebol, deve levar em conta quando pensa em retornar ao Brasil.

As críticas de Thiago Asmar às falas de Casagrande não são novidades. Percebo claramente que elas são provenientes de posições políticas distintas que envolvem os dois comentaristas. Tal interpretação a partir das narrativas – palavra que virou moda nos últimos tempos – dos dois envolvidos foi reforçada por uma pesquisa divulgada na internet, posicionando Casagrande no espectro político da esquerda e Thiago Asmar da direita.

Em relação às narrativas, é preciso dizer que elas fazem parte de qualquer processo normal de interpretação e transmissão de conhecimento. Os fatos históricos jamais são apreendidos em sua integralidade, em outras palavras, inevitavelmente eles são interpretados e, para nos alcançar, precisam ser de alguma forma narrados. As narrativas podem ser distintas, mas isto não significa que estamos no campo do niilismo, visão que se caracteriza por ser cética e sobretudo pessimista em relação às interpretações da realidade, aniquilando valores e convicções. Estaríamos no campo do “vale tudo”. Qualquer narrativa seria válida.

Caro leitor, nada mais equivocado. Há boas narrativas, baseadas nas fontes, no rigor científico, na seriedade de quem as emite e há outras narrativas que não passam de apologia barata e sem qualquer tipo de fundamento sólido. A terra não é plana e narrativas deste porte não passam de bizarrices. Diga-se, que tal afirmativa já foi desconsiderada pelos gregos, como Aristóteles, ainda na antiguidade. Não caio neste tipo de niilismo e acredito que o leitor também não o fará.

Casagrande apresentou alguns aspectos que os jogadores de futebol deveriam, segundo ele, levar em consideração quando pensam em retornar ao país e usou o nome de David Luiz que supostamente estaria negociando com o Flamengo. O comentarista lembrou da desorganização de nossos campeonatos e de nossos calendários. Em que ponto ele mentiu? Nossos calendários são organizados? Sabemos que não. Sendo impossível desassociar calendário de campeonatos, obviamente que a desorganização daquele acarreta na perda de qualidade deste.

Na continuidade de sua fala ele destacou “situações ruins” que estão ocorrendo no Brasil. Obviamente ele enveredou pelo caminho político, social e econômico. No entanto, não são pontos que deveriam ser levados em consideração? Estamos vivendo um momento paradisíaco? Os atletas que ganham em Euro e vivem em países com economias estabilizadas, não deveriam levar em conta que retornando ganharão em Reais e em um país que voltou a conviver com a inflação? Não devem pensar na desigualdade social, violência e outras mazelas cotidianas?

Claro que atletas do nível de David Luiz são muito pouco afetados pela inflação em virtude de seus salários elevados e contratos que podem ser negociados levando em conta tal fator. Também sei que não lhe faltará recursos para colocar seus filhos nas melhores escolas e que ele e seus familiares terão acesso, se precisarem, aos hospitais de ponta, aspectos negados a maioria da população brasileira. No entanto, a qualidade de vida será a mesma? É claro que não. A própria extensão territorial e os múltiplos campeonatos exigem viagens mais constantes, longas e desgastantes.

Isto significa que David Luiz ou outro jogador qualquer não deveria retornar ao Brasil? De forma alguma. A qualidade de vida não se restringe aos aspectos materiais, aos hospitais e escolas, ao sistema de transporte eficiente, aos riscos da violência, entre muitos outros aspectos. Estar perto dos familiares, próximo de suas raízes culturais devem ser considerados. É preciso avaliar os prós e contras presentes nos projetos profissionais e pessoais, em economia diríamos que são os custos e benefícios. Ninguém, seja o Casagrande, eu ou o Thiago Asmar, pode realizar tais cálculos, mas é legítimo levantarmos os pontos que podem servir na análise.

O Pilhado, em seu canal do YouTube, afirmou que Casagrande deveria se restringir aos comentários esportivos e se abster das questões políticas. Obviamente, tal opinião só foi emitida por ele não concordar com o posicionamento ideológico de seu colega de profissão. Asmar sabe muito bem, afinal não é ingênuo e usa o seu canal para defender suas ideias, que os esportes não são um campo separado e hermético da política, da economia e da sociedade. Além disso, não se posicionar também é assumir um espectro político.

O mix de jornalista e youtuber afirmou que Casagrande não é amigo de David Luiz e que não deveria emitir conselhos. Argumento infantil de alguém que quer apenas amplificar a polêmica. Análises conjunturais ou até particulares podem ser feitas sem que eu precise ser amigo de uma pessoa. Obviamente, que na busca por audiência, antagonizar a fala de Casagrande com a imensa torcida do Flamengo pode ser bastante interessante e lucrativa. Deixemos de lado os amores políticos e a ingenuidade. Sabemos que acessos se convertem em dinheiro.

Marcos Braz, dirigente do Flamengo, entrou na pilha e afirmou que Casagrande fazia um desserviço ao futebol brasileiro. Além de criticar o calendário nacional, o que apenas reforça os argumentos de Casagrande, o dirigente ressaltou que passamos por um momento no qual o dólar e o euro estão contra nós. Claramente estava falando da desvalorização cambial que torna mais difícil e caro qualquer tipo de importação, entre elas, contratar os atletas que atuam no exterior. Ora, tocar neste assunto não é desserviço para o futebol ou para a cidadania brasileira, é uma realidade que precisa ser abordada. Desserviço é a inflação que destrói o poder de compra, desserviço é atentar contra as instituições democráticas, desserviço é a tentativa de desautorizar discussões que vão muito além do futebol.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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