22.6 C
São Paulo
quinta-feira, 25 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Quinze

Santana estava preocupado. Uma nova campanha se aproximava da região. Pelo menos quinhentas cabeças de gado… ele precisava dar segurança aos boiadeiros. Não gostaria que acontecesse alguma coisa com o pessoal. Mas como poderia fazer isso? Até agora não tinha a menor ideia de como evitar os ataques da criatura… sua única esperança estava depositada no Juvêncio. Afinal, aquele caboclo era um expert quando se tratava de coisas sobrenaturais…ao menos foi isso o que sempre ouviu falar.

Carneiro estava, como sempre, envolvido com as vítimas da estranha criatura. Se não parassem logo os ataques, não demoraria muito para o pânico se espalhar pelo condado. E isso era a última coisa que se poderia desejar que acontecesse… só no último mês foram mais de duzentas mortes… boa parte de forasteiros, mas alguns filhos da terra também foram vitimados.

Torquato estava na companhia de Juvêncio, cavalgando pela campina, em busca de pistas… de vez em quando os dois paravam, batiam as cercanias a procura de sinais que pudessem dar alguma luz ao caso… mas nada encontravam. Até que, depois de muito procurarem, encontraram algo… parecia uma garra, e pelo tamanho, era de algum animal bem grande. Juvêncio estranhou o achado, uma vez que se aquela garra pertencesse a algum animal selvagem, seria de um tamanho razoável… o que ele não concebia era que aquilo pertencesse a um ente sobrenatural, pois se assim fosse, a garra teria voltado ao seu estado natural quando a fera a perdeu.  

Carneiro resolveu sair um pouco de seu gabinete, caminhar pela cidade, respirar outro ar que não fosse de clorofórmio. Algumas vezes se perguntava porque havia decidido seguir carreira na medicina… tudo bem, quando cuidava de uma pessoa doente e essa se recuperava, ele se sentia gratificado, pois seu esforço e conhecimento salvaram uma vida. Mas, ultimamente… tudo o que ele via ao seu redor era morte. Se sentia quase como um açougueiro, pois o cheiro da morte se impregnava em suas vestimentas…

Santana resolveu ir de encontro com a comitiva. Ela ainda estava longe, talvez uns três, quatro dias distante de Espírito Santo do Pinhal… e talvez até nem atravessasse a cidade… mas ele precisava conversar com os boiadeiros, deixá-los a par dos últimos acontecimentos na região. Ele faria o percurso em questão em dois dias, um para ir, outro para voltar, já que não precisaria andar devagar… afinal, estava cavalgando sozinho. de uma coisa ele tinha certeza… não poderia permanecer no descampado sozinho a noite… afinal, a fera só atacava viajantes solitários…

Carneiro caminhava pela praça, no centro da cidade. Estava tranquilo. Como já haviam cuidado da maioria dos corpos que ficaram sob sua guarda, convidou Marieta para respirar um pouco de ar puro também. A moça ficou feliz… fazia um bom tempo que não curtia os raios de sol sobre a pele. E assim os dois iam caminhando, conversando sobre vários assuntos… ah, sim… Carneiro não tinha nenhum interesse mais… próximo pela moça. Ele beirava seus sessenta anos, ela tinha pouco mais de vinte…

O estômago começou a reclamar… afinal, pela posição do sol, deveria ser umas duas horas da tarde, e tanto Juvêncio quanto Torquato não comiam nada desde as seis hora da manhã.Fizeram uma fogueira, Juvêncio sacou sua manta de carne seca, cortou uma porção generosa para os dois, e a colocou para assar. Enquanto isso Torquato preparava o café… bem forte, como ambos gostavam. Enquanto a carne assava no espeto, Juvêncio percebeu a aproximação de alguém… fez sinal para que seu parceiro ficasse em alerta. Afinal, não sabiam quem poderia estar chegando…  

Enquanto cavalgava pelo campo, Santana percebeu um filete de fumaça subindo para o céu. Resolveu mudar seu trajeto e verificar quem se aventurava por aquelas bandas. Claro que ainda era dia, e não havia perigo algum rondando o local… mas sempre era bom avisar aos incautos. Se bem que Juvêncio e Torquato estavam batendo a área… vai que de repente… bem, se fossem seus parceiros, os chamaria para acompanhá-lo em sua viagem. Ficaria bem mais tranquilo com a companhia dos dois. Mas primeiro tinha que confirmar que eram mesmo seus camaradas…

Depois de uns dez minutos, mais ou menos, finalmente Juvêncio conseguiu identificar o cavaleiro que se aproximava. A tensão passou, voltou a respirar mais tranquilo e afastou a mão da coronha do revólver. Afinal, era o delegado da cidade que se aproximava. Claro que o Justiceiro ficou curioso, mas o simples fato de que era uma pessoa conhecida a se aproximar, o deixava confortável. Convidou o recém chegado a desmontar e compartilhar sua refeição, convite esse aceito na mesma hora. Afinal, Santana saiu com tanta pressa da cidade que acabou não almoçando.

– Marieta, você mora com sua família, não é?

– Sim, senhor…

– Por que você quis trabalhar comigo?

– Eu acho seu ofício muito bonito… e queria aprender algumas coisas…

– E aprendeu… e bem. Afinal, para uma menina contratada para varrer meu consultório, você avançou bastante em sua carreira…

– Não entendi…

– Bem, quero dizer que você é uma enfermeira perfeita…

– Bondade do senhor, que me ensinou muita coisa…

– Sim, eu ensinei… mas se a sua vontade de aprender não fosse grande, de nada valeria eu te passar meus conhecimentos…

Os três homens estavam devorando o churrasco improvisado, acompanhado pelo café. Depois de se saciarem, Santana resolveu fazer o convite para a pequena viagem que faria. Depois de ouvir os motivos do colega, os dois companheiros decidiram acompanhá-lo.  Montaram seus cavalos e partiram em direção ao poente. Claro que o astro rei ainda estava alto. Teriam umas seis, sete horas de cavalgada até que o sol resolvesse se recolher. Pretendiam alcançar a comitiva antes da noite cair. E sabiam que, para isso, teriam que exigir um pouco da sua montaria…

– Sabia que tem hora que eu tenho vontade de jogar tudo para o alto e ir embora daqui?

– Sério, doutor? Pensei que o senhor gostasse da região…

– E gosto… mas as vezes dá um desanimo…

– Por que?

– Eu queria saber a resposta… mas não sei… é que, quando a gente enfrenta uma crise como essa, a gente fica tão impotente…

– Mas o que o senhor poderia fazer? As pessoas já apareceram mortas…

– Eu sei… e é isso que me deixa desanimado… como pode….

– Como pode o que, doutor?

– Isso… essa violência toda… 

– Acho que a violência só vai acabar no dia que o ser humano desaparecer da face da terra…

– Nossa… e eu achando que era pessimista…

– Não, doutor, não sou pessimista… mas eu vejo a vida como ela é….

– E…?

– E o que a gente mais vê nesse mundo é violência…

– Também não é assim, minha filha….

– Não? O que aconteceu com os índios que moravam nessa região?  

– Hein?

– Foram expulsos, não foram? Para que os brancos se instalassem nessa terra.

– Você está dizendo… 

– Não doutor… não estou dizendo nada.  Afinal os índios vivem em pé de guerra uns com os outros. 

– Então…

– É isso… vivemos em um mundo construído pela violência, e não tem como fugir dele…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Reflexões

Brincar de “Poliana”

A batalha da vida

Quem somos nós?

Patrocínio