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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Doze

– É o Jurupari…

Era Torquato, falando com Juvêncio. Havia acabado de chegar de sua aldeia, e quando soube que o Delegado Federal queria conversar com ele, foi diretamente para a delegacia, onde o encontrou. E expôs suas ideias…

– Mas… Torquato… pelo que eu sei, não é esse o modo do Jurupari agir…

– Por favor, me escute, “seu” Juvêncio… é o Jurupari que está atacando as pessoas…  e ele só vai parar quando tiver alcançado seu objetivo…

– Que seria?…

– Isso eu não sei, delegado… o Jurupari é um diabo, então a gente nunca sabe quais são as suas intenções…

– Bom, isso não ajuda muito…

– O senhor queria saber o que estava atacando as pessoas…

– Sim…

– Pois é isso… 

– Obrigado, Torquato… alguém mais compartilha de sua opinião?

– O Pajé da minha aldeia… e Pai João, um pai de santo aqui do vilarejo…

– Obrigado mais uma vez… vou conversar com esse pai de santo… depois você me leva até seu pajé?

– Não sei se ele vai poder atender o senhor tão já… está cuidando de meu pai…

– Eu soube que ele está adoentado… estimo suas melhoras…

– Obrigado, doutor…

E Juvêncio saiu da delegacia, em direção ao centro da vila. Agora tinha alguma coisa em que pensar. Claro que não ajudava muito… mas pelo menos jogava alguma luz sobre as coisas que estavam acontecendo na região… Jurupari… já tinha ouvido histórias sobre esse monstro mítico da nação Tupi… mas as histórias contadas vinham mais de cima… da região borracheira, do Amazonas… será que…

Juvêncio dirigiu-se à pensão onde estava hospedado. Era hora do almoço, e ele gostava de pensar enquanto degustava sua refeição. E logo estava em frente ao um bom prato de arroz, feijão, um bife, batatas fritas e uma deliciosa salada de alface. E logo começou a atacar seu prato, enquanto tentava organizar as ideias…

Depois de muito pensar (e terminado a refeição), decidiu que seria hora de procurar Pai João… engraçado como esse nome era comum entre os ex-escravos… e geralmente eram seguidores da velha religião, que se misturara com o catolicismo e as crenças dos nativos da terra… esse Pai João era um dos inúmeros com esse nome que era sacerdote da antiga religião.  Bem, com certeza ele poderia ajudar a esclarecer algumas coisas acerca da certeza que Torquato tinha sobre o responsável pelos ataques…

Meia hora mais tarde Juvêncio apeava em frente a um casebre simples. O dono da casa veio recepcioná-lo e o convidou para entrar. Nhá Maria estava terminando de coar um café… o perfume do mesmo se espalhava pelo ar… e estava terminando de fritar uns bolinhos de polvilho. Juvêncio sentou-se na cadeira onde Pai João indicou, enquanto seu anfitrião sentou-se à sua frente. E começaram a conversar sobre amenidades, antes de entrar no assunto que realmente interessava. Dali a pouco Nhá Maria trouxe um prato com os acepipes que havia acabado de preparar. Depois do café, Pai João convidou Juvêncio para caminharem um pouco pelo terreiro. E enquanto caminhavam, entraram no assunto que realmente interessava ao nosso amigo. 

– O que o senhor pode me dizer sobre o Jurupari, Pai?

– Jurupari… acho que a gente pode chamar ele de Exú… é bem parecido… 

– Como assim? 

– O Jurupari, como o Exú são criaturas que tanto podem fazer o bem quanto o mal… mas não é a essência deles…

– Como assim?

– Bem, tanto um quanto o outro fazem o mal ou o bem… depende da situação.

-E o senhor acha que seria ele o causador dos ataques que a região está sofrendo?

– É uma entidade mística, isso é fato… mas não acho que seja o Jurupari ou o Exú…  

– E por que não, Pai?

– Porque não é o estilo deles agirem… alguém abriu as portas do inferno… mas essa entidade não é comum ao nosso meio…

– E por que o senhor acha isso?

– Meu filho… essa criatura mata sua vítima e toma seu sangue…

– Mas nós temos entidades que fazem isso…

– Sim, eu sei… mas não desse jeito… não conheço nenhuma criatura de nosso panteão que tenha essa forma de agir…

– Então, podemos esquecer o Jurupari…

– É o mais sensato… e procurar a entidade em outro recanto… 

Conversaram mais um pouco, onde Pai João explicava os sincronismos entre as religiões. Então Juvêncio despediu-se do velho, montou seu cavalo e retornou ao vilarejo. Enquanto cavalgava, ia depurando as informações recebidas do Preto Velho. Sim, Pai João tinha razão, a entidade que estava atacando era, sem dúvida, alguma entidade estranha à terra. Então seu viés de investigação teria que mudar… a partir de agora começaria a investigar pessoas que tivessem chegado recentemente de outras terras… mas… e se o causador disso tudo fosse um filho da terra que apenas tivesse aprendido com alguém como invocar certas energias místicas… e sem querer, libertado alguma força com a qual não contava? Não era algo raro de acontecer… pessoas que nunca mexeram com magia, de repente resolvem fazer um encantamento e, sem querer, libertam forças que deveriam ficar aprisionadas por todo o sempre….  

Cavalgando devagar, apreciando a natureza… lá ia nosso amigo, matutando tudo que ouvira de Pai João. Sabia que o velho tinha razão, mas… era um felídeo que tinha atacado as pessoas… e o Jurupari não podia transformar-se em um felídeo? Pensando dessa maneira, não dava para descartar a teoria de Torquato… embora, como Pai havia lhe dito, não era essa a forma da entidade agir… mas nós realmente sabemos como entidades místicas agem no plano terreno? Tudo bem, pelo que Pai explicou, essa entidade era um mensageiro, que não via diferença entre o bem e o mal, que agia de acordo com o que o xamã solicitasse… mas… e se alguém, por algum motivo tivesse pedido justamente isso à entidade? Muitas vezes as pessoas pedem coisas absurdas às forças do além para se vingarem de alguma situação que consideram ultrajante para si ou para os seus… poderia ser esse o caso… “não”, pensou Juvêncio, “é melhor não pensar nessa situação, ou vou começar a desconfiar do mundo todo… afinal, quem nunca passou por alguma situação em que poderia desejar se vingar do mundo?”   E assim, chegou até a delegacia do povoado…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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