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sexta-feira, 26 de julho de 2024

A taça de cristal

Capítulo Sessenta e Cinco

Janete estava realmente preocupada. A viagem que fizeram teve, em sua opinião, um saldo negativo. Tudo bem que Cecília parecia mais animada nos últimos dias, mas pela sua perspectiva, ela estava dominada por forças malignas… era essa a sua opinião e, se alguém levasse em conta o que ela pensava, teriam jogado fora aquele bendito medalhão… mas, não… todo mundo a chamava de que, mesmo? Ah, sim… carola… tudo porque ela se preocupava com a salvação das almas das pessoas… Ela tinha que dar um jeito de salvar sua família do abismo no qual, com toda certeza, aquele amuleto iria jogar a todos… mas… como? A melhor maneira seria destruindo aquela… coisa…

De manhã, Janete dirigiu-se à Igreja do bairro. Chegou bem mais cedo que de costume, nem mesmo as portas da nave estavam abertas, ainda. Esperou um pouco e o Padre Reinaldo, pároco oficial da igreja, encostou seu carro próximo ao portão principal. Mal estacionou no pátio da igreja, e nem havia aberto a porta do carro, e Janete já queria falar com ele. Reinaldo não estava com muito bom humor, nessa manhã… mas fazer o que, já que Janete era uma das melhores doadoras da paróquia? Sem muita paciência, ouviu a história de sua ovelha. Pediu desculpas a ela por não poder lhe dar muita atenção, tinha que se preparar para a missa que se iniciaria dali a alguns minutos, afinal os fiéis já estavam chegando e tomando seus acentos no salão… saiu quase correndo em direção à sacristia, dando graças a Deus por se ver livre das choradeiras daquela chata… sim, era assim que o padre via Janete… uma chata carola e fanática… e ele realmente não gostava de pessoas fanáticas. 

Janete ficou feliz porque o pároco a ouviu antes de qualquer outra pessoa, e tinha certeza de que, após a missa, poderia voltar a conversar com ele, novamente… precisava de orientação, tinha que saber quais os planos divinos para sua família… tinha que saber como se livrar daquele amuleto diabólico que Cecília encontrara em sua viagem. Cecília se encontrava mais tranquila ultimamente? E daí? O preço a pagar… a perdição de sua alma … era muito caro, e Janete não permitiria isso…. não, o demônio não iria vencer aquela disputa!

Quando a missa se encerrou, e antes mesmo do padre descer do altar cerimonial, Janete já o cercava, tentando conversar com ele… Reinaldo realmente estava a ponto de perder a paciência, mas com ar resignado, e se segurando para não estourar com aquela que era uma das mais importantes fiéis de sua paróquia, a convidou a segui-lo até a Secretaria, onde os dois poderiam conversar… seu auxiliar ficaria encarregado de ouvir as confissões dos fiéis, uma vez que, ao que parecia, enquanto não ouvisse o que aquela doida tinha para dizer, ele não teria paz e sossego…

-… e é isso, Padre! O senhor não acha que estou certa?

Janete contou toda a saga para o padre. Desde a saída de São Paulo até o passeio pela bendita “trilha do ouro”, onde sua filha encontrou o artefato. Reinaldo ouviu pacientemente a história, sem interrompe-la nenhuma vez. Afinal, tudo o que ele desejava era que a mulher terminasse logo sua ladainha e o deixasse sossegado, para que pudesse cumprir a agenda do dia… mas, pelo visto, não seria tão simples, assim…

– Minha filha, uma pergunta… você não disse que, depois de encontrar esse… amuleto… sua filha se sentiu tranquila, deixando de se preocupar tanto com os problemas que a afligiam?

– Sim…

– E você não acha isso bom?

– Se fosse uma obra divina, sim… mas…

– E como você tem tanta certeza de que não é uma obra divina?

– Padre, aquilo é um artefato pagão…

– Como você sabe? 

– Não tem nenhum símbolo da Santa Madre Igreja…

– Me explica…

– Não tem o símbolo da cruz, nem o Divino Espírito Santo…

– E só por isso é um artefato pagão…

– E não é? Não tem nenhuma imagem de algum santo de nossa fé…

– Vou te perguntar de novo… sua filha está em paz?

– Sim, mas…

– Então, qual é o problema?

– Padre, aquilo é obra do demônio!

– Filha, o demônio tem mais o que fazer… ele não anda por aí distribuindo medalhinhas entre as pessoas…

– Padre….

– Não, é sério… deixe a sua filha em paz… aliás, é engraçado você ficar preocupada porque sua filha encontrou paz de espírito…

– Padre…

– Minha filha, ao invés de ver o diabo em cada coisa que acontece em sua vida, porque não tenta ver o ocorrido como um sinal divino, já que sua filha está se sentido bem depois de um longo tempo atormentada?

– Mas…

– Filha, vá em paz… ore bastante a Deus e peça a Ele que a paz continue reinando em seu lar… Eu irei pedir que Deus derrame suas benções sobre sua família…

Janete olhou incrédula para o padre. Não conseguia acreditar que estava sendo mandada embora desse jeito… e ainda por cima, taxada como doida. Saiu da Secretaria da Igreja pisando duro, com a cara emburrada, fervendo de raiva porque o padre não a apoiara naquilo que tinha certeza de que estava certa…. o padre, por sua vez, a via se distanciar… balançou a cabeça… não conseguia entender como alguém que se dizia tão crente no Amor Divino poderia agir dessa maneira. Balançou a cabeça, como se quisesse espantar alguns pensamentos não muito bons, e tratou de verificar junto a sua secretária quais seriam os compromissos do dia…

Quando Janete chegou em casa Estela se preparava para sair… tinha que fazer alguns exames de rotina e depois ia tentar conseguir uma vaga na creche para Selene… precisava trabalhar, e logicamente não podia deixar a criança o tempo todo com sua mãe… Estela estranhou a cara azeda de sua mãe, mas conhecendo-a como conhecia, achou melhor nem perguntar o que teria acontecido… como Janete estava vindo da Igreja, estava claro que alguma coisa durante a missa a desagradara… e nesses casos o bom senso mandava as pessoas ficarem o mais longe possível da matriarca, pois ela costumava descarregar sua frustração no primeiro incauto que se atrevesse a perguntar se estava tudo bem… como dizem, gato escaldado tem medo de água fria… para se ter uma ideia de como as pessoas evitavam interagir com Janete durante esses… períodos de nervosismo… vamos chamar assim, está bem?… Mario costumava tomar distancia de sua esposa quando a percebia nesse estado…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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