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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A taça de cristal

Capítulo vinte e dois

Mario e Janete andavam meio apreensivos. Estavam achando Estela meio distante… ultimamente andava meio arredia, não conversava com ninguém, só vivia enfurnada em seu quarto. Quando seus pais tentavam falar com ela, recebiam respostas enviesadas. Helena não tinha muito trânsito com ela, mas ultimamente sempre que se encontravam, labaredas de fogo se formavam em volta das duas. Como seu Mario dizia, “está certo que algumas mulheres ficam difíceis de tratar quando engravidam, mas a Estela já está exagerando um pouco demais…”

Sim, os pais de Estela estavam preocupados. Principalmente porque repararam que Jairo estava indo visitá-los bem menos que antes. “Será que ele está tirando o corpo fora?” se perguntava Janete, “só faltava ele não assumir a criança, Meu Deus…” A preocupação de Mario não chegava a tanto… na verdade, ele até preferia que os dois não se casassem antes da criança nascer e eles terem certeza do passo que iam dar. Mas não podia expressar essa ideia em voz alta, pois sua esposa não admitia tal situação nem em pensamento… na verdade, os dois discordavam em muitos pontos, mas Mario preferia se calar e deixar as águas rolarem. “Evita o stress”, dizia sempre que lhe perguntavam porque não expunhas suas opiniões com muita frequência.  Mas de qualquer forma dividia com a esposa a preocupação quanto à mudança de comportamento da filha. Tanto que decidiram que iriam conversar com o rapaz, para saber se tinha acontecido alguma coisa que justificasse sua mudança de comportamento. O problema é que ele tinha dois empregos… só quando ficaram sabendo desse pequeno detalhe, que até então desconheciam, é que entenderam porque Jairo estava vindo ver a namorada apenas uma vez por semana. Quer dizer, Mario entendeu. Quanto a Janete, continuava achando que o rapaz deveria visitar sua namorada com mais frequência…

Helena chegou de repente. É claro que seus pais ficaram felizes com sua visita. Afinal, sua filha costumava ficar longos tempos ausente. Ela também parecia preocupada com alguma coisa. Estava precisando desabafar. Sentaram-se na sala, os três. E o assunto principal era a caçula.

– Mamãe, papai… vocês sabiam que a Estela está faltando na escola?

– Não é de hoje, respondeu Mario.

– Ela está faltando nas aulas a pelo menos uns três meses, completou Janete.

– E vocês não ligam?

– Não é que a gente não ligue… mas o momento é delicado, Helena…

– Ela está grávida, Helena… a gente tem que ter paciência…

– Que eu saiba, gravidez ainda não é uma doença…

– Ninguém disse que era doença… mas ela está muito sensível nestes dias… então a gente até prefere que ela fique em casa com a gente…

– E ela fica?

– Até demais…  está enfurnada naquele quarto, e não sai nem para comer…

– Mamãe, isso não é normal…

– Eu sei… se ao menos o Jairo viesse vê-la mais vezes…

– Jane, o rapaz tem que trabalhar… por isso não está vindo…

– Ele não vem visitar a Estela?!

– Só uma vez por semana, filha…

– Jane, você sabe que o rapaz não está vindo porque ele está com dois empregos…Não sobra tempo nem para ele dormir direito…

– Isso não passa de uma desculpa esfarrapada…

– O que, dele estar em dois empregos, ou não conseguir dormir?

– O segundo. É claro que ele consegue dormir… senão como trabalharia? Isso é uma questão de lógica…

– Bom, é melhor deixar a vida dos outros para lá…

– Concordo, papai… de qualquer forma vim ver vocês porque estou realmente preocupada com minha irmãzinha…

– Quem te viu e quem te vê… ontem mesmo você só faltou esganar sua irmã….

– Que exagero, papai… faz mais de um mês que eu não venho aqui…

– Que bom… pelo menos vamos ter com quem conversar…

E assim ficaram por algumas horas, colocando a conversa em ordem. Desde o sumiço de Cecilia, que não tinham um tempo para eles…

Em um dado momento, Helena resolve ir ao quarto de sua irmã. Mario acha a ideia ótima. Afinal, talvez assim a moça resolvesse sair um pouco de sua toca…

– Estela, posso entrar?

– Não! Vá embora…

– Estela, eu só quero conversar um pouco…

– E quem te disse que eu quero conversar? Estou muito bem sozinha, obrigada…

– Deixa de ser criança… eu quero pedir desculpas pela última briga que tivemos…

– Tá desculpada… agora, vai embora… não estou a fim de conversar…

– Estela, por favor…

– Não vou repetir… vá embora!

Estela levantou o tom de voz. Helena achou melhor não insistir. Afinal, a irmã poderia ficar ainda mais nervosa do que já estava, e isso poderia fazer mal para o bebê…

– Tudo bem, vou embora… mas promete que depois a gente pode conversar?

– Pela última vez… vá embora!!!

Helena desceu as escadas. Não tinha muito o que fazer. Se a irmã não queria falar com ela, bem, então não falaria. Uma hora com certeza mudaria de ideia e as duas poderiam conversar…

– Papai, mamãe, já estou indo…

– Não conseguiu falar com ela, não é mesmo?

– Não… meu Deus, que pessoinha difícil…

– Fazer o que, não é mesmo?

– Tudo bem, papai… depois eu tento falar com ela novamente…mas por hoje minha cota de paciência já se esgotou…

– Não vai dizer tchau para sua mãe? Ela está na cozinha…

– Minha cota de paciência já se esgotou… não estou a fim de me estressar… boa noite, papai…

E então Helena saiu pela noite adentro, pois tinha seus próprios problemas para remoer, e não precisava adicionar os de sua mãe e de sua irmã…

Assim que Helena saiu da casa, Estela desceu, furiosa…

– Porque deixaram aquela zinha subir até meu quarto?

– Bom, que eu saiba, ela não entrou…

– Porque não abri a porta… eu não quero ver a cara dela, entendem?

– Aqui é a casa dela, também! E ela entra quando quiser…

– Não no meu quarto!

– Ela não entrou no seu quarto. E tanto a Helena quanto a Cecília entram nessa casa na hora que quiserem. Estamos entendidos, senhorita?

Estela se voltou para a escada, e subiu, furiosa. Ainda estava magoada com suas irmãs, mas sua fúria não se devia exclusivamente a elas… não mesmo.

Estela sentou-se em sua cama. E começou a chorar. Não havia nenhum motivo real para isso, mas chorava assim mesmo. E, enquanto as lágrimas insistiam em rolar por sua face, a lembrança de sua conversa com Jairo voltou-lhe à mente…

– Você não liga mais pra mim…

– Não é isso, Estela… eu preciso trabalhar! Meus pais estão dependendo de mim, nesse momento!

– Eu não disse? Pra você, eles são mais importantes do que eu!

– São meus pais… e meu pai está de cama, ele sofreu um acidente, eu te disse…

– Eu preciso de você…

– Mas eu preciso trabalhar…tenho que cuidar de você e de meus pais. E de minha irmã…

– Sua irmã é mais importante do que eu?

– Olha, nesse momento todos eles dependem de mim… assim como você. Por isso é que aceitei trabalhar com as vans lá na transportadora. Vai entrar mais dinheiro, então vou conseguir bancar minha família até meu pai se recuperar, e vou conseguir guardar uma grana para cuidar de você e nosso filho. Consegue entender isso, pelo amor de Deus?

– E como é que eu fico, nesse meio tempo? Você vai me deixar de canto esse tempo todo…

– Mas… criatura…

– Criatura, não… eu não sou sua mãe! Me respeita!

– Ué… e desde quando chamar alguém de criatura é desrespeitar?…

– Eu não sou “alguém”… sou a mãe de seu filho!

– Que ainda nem nasceu…

– Eu…

– Ah, quer saber de uma coisa? Vou embora! Cansei dessa conversa de doido! Isso não vai nos levar a nada! E amanhã tenho que pegar cedo na transportadora!

– Mas amanhã é sábado!

– Sim… só que vou trabalhar na transportadora… vou entrar as sete da manhã e sair sabe-se lá quando…

– Mas porquê?

– Foi o que combinei com o Gerente… durante a semana entro às sete e vou até o último trabalho, nos sábados, entro às sete e saio quando Deus quiser… e se precisarem de mim no domingo, vou também…

– E quando você vai ter tempo para me ver?

– Nas minhas folgas, já te disse…

– Você não me ama mais…

– Eu… ah, sabe de uma coisa? Cansei! Fui…

– Jairo… espera… eu…

E Jairo se foi, pois estava cansado e sabia que sua carga de trabalho seria puxada. E que não teria tempo de ver a namorada. E que, quando se encontrassem, terminariam discutindo novamente, como nesse dia…afinal, já faziam quinze dias que os dois não se viam…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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