Quando falamos em dívida no Brasil logo pensamos: de acordo com nossa legislação se eu me tornar inadimplente não serei preso! A questão é: esse raciocínio está correto?
De Acordo com a Constituição Federal não! O inciso LXVII da nossa Constituição Federal define a regra geral da prisão por dívida no Brasil:
“Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Pois bem. Com relação à pensão alimentícia, todos nós já ouvimos dizer que se não houver o pagamento de valor pecuniário definido pelo juiz a título de pensão alimentícia, o alimentando, ou seja, aquele que tem o dever de prover o sustento de alguém, poderá ir preso.
Ressalvadas, porém, todas as questões que envolvem esse tema bastante complexo a serem tratadas oportunamente em temas específicos – poderíamos enumerar diversas controversas, como por exemplo se o valor dos alimentos no Brasil é justo; se para serem fixados os alimentos os magistrados analisam mais a possibilidade do alimentando do que a necessidade do alimentado propriamente dita; o fato de que a prisão só é possível se for fixada previamente pelo juiz, entre tantas outras – neste caso é fácil compreendermos a possibilidade da prisão. Isso porque, o direito à vida, também garantido pela nossa Constituição Federal, estaria ameaçado pela supressão de alimentos.
Entretanto, o que nos causa maior dúvida com relação à possibilidade de prisão é a outra forma definida por nossa Carta Magna: a figura do depositário infiel.
Fiel depositário é a atribuição dada a alguém para guardar um bem durante um processo judicial, e está prevista no inciso IV, artigo 665, do Código de Processo Civil. Também sob a ótica do direito empresarial, o fiel depositário é aquele que assume a guarda de determinado bem.
Conceito definido, é fácil perguntarmos um exemplo dessa modalidade. E nesse contexto, um bom exemplo de depositário infiel (e o mais controverso de todos) é o da pessoa que adquire um veículo por meio de um contrato de alienação fiduciária.
Há diversas formas utilizadas para o financiamento de um veículo. A mais comum delas no Brasil, entretanto é a figura da alienação fiduciária. À vista disso, temos que alienação fiduciária, espécie contratual destinada à compra de bens, consiste na entrega de um bem a uma pessoa (devedor fiduciante) que, por sua vez, transfere novamente àquele que entregou o bem (credor fiduciário) a propriedade do bem que está adquirindo, até que seja feito o pagamento total da dívida.
Entendendo a questão: “A” (devedor fiduciante) procura uma Instituição Financeira denominada aqui como “B” (credor fiduciário) e lhe solicita um empréstimo para a compra de um veículo. Com o dinheiro emprestado, “A” vai até a concessionária e adquire o veículo de seus sonhos. Entretanto, como garantia do contrato de empréstimo, entrega a propriedade do veículo ao “B”. Ou seja: “A” é apenas um possuidor do veículo, o qual está “alienado fiduciariamente à “B”, que acaba por ser, efetivamente, o proprietário do veículo.
Ainda nesse mesmo exemplo, suponhamos que “A” não consiga adimplir o empréstimo feito. Nessa hipótese, “B” irá se socorrer das medidas judiciais cabíveis para retomar o veículo que, no final das contas, lhe pertence. Mas e se “A” não entregar o veículo à “B”, o que acontece?
Pois bem, já foi dito aqui que “A” é só possuidor do bem, não proprietário, pois ele entregou a propriedade à “B” quando fez o empréstimo. Neste caso, portanto, “A” é um “DEPOSITÁRIO FIEL” do bem, ou seja, caso não entregue o bem ao credor “B” poderá ser preso de acordo com nossa Constituição Federal.
Entretanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) já se posicionou no sentido de que essa modalidade de prisão não pode ser exercida. Assim, mesmo a Constituição Federal não ter sido revogada nesse sentido (ou seja, continua a previsão expressa em nossa Carta Magna de que o depositário infiel poderá ser preso), fato é que, na prática, a única dívida que efetivamente levaria à prisão é a da pensão alimentícia e, ainda, apenas na hipótese do inadimplemento ser voluntário e inescusável.
Por fim, apesar de estarmos esclarecendo aqui a questão da prisão em decorrência de dívida,
fato é que mesmo não existindo, na prática, efetivamente essa possibilidade, a inadimplência pode resultar em inúmeros outros prejuízos financeiros ao devedor, como a penhora e a expropriação de bens. E isso pode acontecer em qualquer modalidade de dívida, mesmo as que não preveem qualquer forma de garantia, desde que o processo esteja na fase de execução.
Autora:
Renata de Lara Ribeiro Bucci, advogada especialista em direito civil e processual civil.
Instagram @RENATABUCCI
Muito bom, e extremamente importante que todos tenham conhecimento sobre!!