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terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Operação rescaldo pós eleições

A eleição terminou, mas a discussão não. É impossível eliminar o parentesco consanguíneo, mas no WhatsApp, redes sociais, trabalho, condomínio etc. a cultura do cancelamento ferveu. Amigos vem, amigos vão, mas inimigo é para sempre, exceto na política, onde vale tudo: fazer aliança com a sogra, amante da esposa, credor, devedor, polícia, bandido. Vale tudo para obter votos.

As pessoas se tornam especialistas em tudo e discutem qualquer assunto: educação, Amazônia, nióbio, física quântica etc. Não percebem que os eleitos ficam de boa, os derrotados se ajeitam, mas os que brigaram terão amizades rompidas, namoros desfeitos, casamentos abalados e outras desgraças. Tenho um amigo que, por causa da política, foi expulso de 4 grupos, inclusive o Alcoólicos Anônimos. O povo briga pelos candidatos como se fossem seus filhos! Juram que os apoiados são sinceros, esquecendo que a sinceridade deles muda o tempo todo. 

Mas voltemos ao tema central que é o rescaldo eleitoral e os estragos que provocam. Além das consequências sociais, familiares e conjugais, eleição também pode afetar o trabalho. Se alguém perde um cargo no Governo porque seu padrinho político não se reelegeu, um primo, um amigo, a esposa ou a amante que apoiou o outro lado ficará de boa e o indicará para outras funções. Eles sempre dão jeito. Mas e o povo? Como fica?

Cida e Zé não transferiram o título e não tinham dinheiro para viajar a Cucuí para votar. De bem com a vida, se o salário der para pagar o aluguel, comida, roupa e um forrózinho de vez em quando, tudo bem. Zé faz bicos e economiza para visitar mainha e painho no Natal e Cida guarda os trocados para comprar uma Air Fryer.

Os 2 trabalham como faxineiros à noite e dão duro para deixar tudo nos trinques para o dia seguinte. O escritório ocupa um amplo sobrado numa rua pouco movimentada próxima ao Metrô. O serviço é tranquilo, menos quando tem reunião até tarde. Eles ouvem conversas, gritos, mas não fazem ideia do que discutem. Não conhecem o pessoal, mas sabem que são importantes. Sempre tem gente saindo, gente chegando, carrões na rua, sobras de pizza, café e bebidas. Os 2 conversam imaginando como deve ser a vida de grã fino. Assim que terminam o serviço, ligam o alarme e vão embora. Não há vigilante. Só câmeras de segurança.

A dupla foi convocada para serviço extra na segunda-feira, 31 de outubro, das 6h ao meio dia, pois o pessoal retornará ao trabalho só depois do almoço. A festa no domingo deve ter sido boa. Tinha muita caixa de pizza, bolos, doces, copos sujos e latas de cerveja vazias no salão. Cida viu a luz acesa na sala da diretoria e foi apagar. Notou um aparelho sobre a mesa do presidente.

  • Olha, Zé, alguém esqueceu isto aqui.
  • O que é?
  • É um controle. Tem botão, luz verde e vermelha.
  • O que será que abre? Aperta aí.

Apertaram o botão e uma passagem se abriu no lambri de madeira atras da mesa. Apertaram de novo e ela se fechou. Luz verde, aberta, vermelha, travada. Eles nunca haviam estado naquela sala, que nem sabiam que existia.

  • Deviam ter deixado isso com a gente.
  • Prá que?
  • Assim a gente podia limpar essa sala também.
  • Então vamos caprichar. O chefe vai ficar surpreso.

Na sala da Diretoria tinha faixas, cartazes, mais xícaras de café e copos usados, além de garrafas abertas de whisky, vinho e champanhe. No tapete e nos sofás, preservativos e 2 calcinhas. Os restos de bebidas e as bitucas produziam um cheiro horrível. Eles recolheram o lixo, limparam e lavaram tudo, inclusive as calcinhas. O controle também abriu um cômodo com muitas caixas abarrotadas de dinheiro. 

O Assessor Parlamentar chegou por volta das 14h e encontrou o controle sobre a mesa. Abriu a sala e viu que estava limpa, o lixo recolhido e tudo lavado, inclusive as calcinhas. A sala secreta também estava limpa e arrumada. Ele chamou imediatamente a Secretária Jussara.

  • Não sei o que houve, Abílio. Eu não tenho o controle da porta.
  • Estava sobre a mesa do presidente. Acho que ele esqueceu de guardar, alguém encontrou, abriu a porta e limpou tudo. Lavaram até sua calcinha.
  • Para com isso, Abílio. Eu não uso calcinha vermelha fio dental. Além disso, tive dor de cabeça e acompanhei a apuração em casa. Sumiu alguma coisa?
  • Não sei. Vamos ver o vídeo das câmeras de segurança.

Abílio e Jussara assistiram o vídeo atônitos. Mesmo diante de tanto dinheiro, Cida e Zé não pegaram nada. O Assessor e a Secretária não trocaram uma palavra, mas não foi necessário. Apagaram a gravação e comunicaram ao Presidente do Partido o sumiço de R$ 4 milhões, pouco perto da fortuna guardada. Nada de B. O. para não terem de explicar a origem do dinheiro. Os empregos de todos foram mantidos e a paz reinou no Diretório. Apenas os dois faxineiros foram demitidos. Afinal, houve quebra de confiança. Mais tarde, num quarto de motel:

  • Bem, dr. Abílio, pusemos a culpa nos faxineiros e ninguém desconfiou.
  • Meu amor, o poder e o dinheiro mudam as pessoas. É como diz o ditado, a ocasião faz o ladrão. 
  • Discordo, querido. Poder e dinheiro não mudam as pessoas, apenas as desmascaram. O ladrão já existe. A ocasião só faz a oportunidade. 
  • Mais uma taça?
  • Demorou!
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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