É preciso descer muito baixo para transformar a ignorância em arma política. A Câmara dos Deputados resolveu cavar mais fundo e aprovou, na sessão de gala do obscurantismo, uma emenda ao Projeto de Lei Antifacção que proíbe presos provisórios de voto. A justificativa circula entre o folclórico e o trágico, indicando economia de recursos e risco operacional diminuído quando se nega a cidadania àqueles que o Estado decidiu isolar preventivamente. Pobres cofres públicos, sempre em perigo quando a dignidade alheia entra na conta.
Para quem consome apenas manchetes em caixa alta, a fórmula é sedutora: preso não vota, bandido não escolhe seu próprio juiz. Esse discurso, repetido para emburrecer a plateia, é populismo de almanaque e projetado para alimentar a ignorância domesticada da maioria. Os deputados, num acesso de moralismo performático, celebraram 349 votos a favor dessa restrição, como se enjaularem direitos fosse virtude política. É sempre mais fácil governar quando se entrega ao povo um grilhão e se confisca um espelho.
Nada representa melhor esse descompromisso com a cidadania do que a situação dos presos provisórios. Hoje, aproximadamente um em cada quatro indivíduos encarcerados recebeu relatórios definitivos. O número absoluto é pornográfico: cerca de 183.800 pessoas encarceradas sem julgamento final no Brasil, de acordo com fontes oficiais do próprio poder público. Assim, o Estado brasileiro revela sua verdadeira vocação, não punir o suspeito de maneira exemplar, mas castigar preventivamente o suspeito. E não satisfeito, retira sua voz do único espaço legitimador do poder institucional, o voto. Todos esses dados são públicos e não escapam à avaliação nem mesmo do eleitor mais desatento, embora o Congresso confie que a maioria jamais irá procurá-los de verdade.
A legislação não embaralha conceitos: presos definitivos, aqueles que já esgotaram seus direitos recursais e cujas sentenças transitaram em julgado, têm os direitos políticos suspensos conforme ordena a Constituição. Já os provisórios aguardam julgamento e, à luz do direito, continuam presumidos inocentes. Ao primeiro arrancar o voto, o Parlamento zomba da presunção de inocência. O dogma jurídico fundamental, tão defendido nos manuais, é evitado quando o aplauso fácil chama mais alto que a coerência republicana.
Assiste-se, então, a um espetáculo de covardia institucional, mascarado de heroísmo moralista. O Estado brasileiro, sempre tão célere em castigar antes de julgar, aprimora seu ritual: convencer a maioria de que os direitos que estão na margem são, na verdade, ameaça para quem se julga centro. Trata-se de retirar do preso provisório o voto não porque ele seja perigoso, mas porque sua existência lembra, de forma incômoda, que a democracia local nunca foi produto de uma cidadania plena e sim benefício transitório proporciona sob intensa vigilância.
Parabéns aos autores e entusiastas da fachada. Fizeram história ao mais baixo preço possível. Quando faltar democracia, bastará consultar os anais para saber quem a leiloou na praça pública: sempre em nome da ordem, da economia, do progresso e, sobretudo, da ignorância docilmente cultivada.

