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sábado, 20 de dezembro de 2025

Antifacção: Como Engordar o Crime Organizado e Emagrecer a Polícia de Verdade

Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei antifacção parece ter sido elaborado não para enfrentar o crime organizado, mas sim para beneficiá-lo, conferindo-lhe novas vantagens, como abastecer-se de armas e munições sob a justificativa de garantir a “segurança nacional”. Afinal, poucos instrumentos políticos são tão eficazes em transformar um discurso de combate ao crime em um verdadeiro incentivo ao seu fortalecimento.

Perdeu-se aqui qualquer traço de vergonha na engenharia legislativa. Basta olhar para trás e verificar quantas operações da Polícia Federal, tão incômodas quanto eficazes, desmascararam os grandes barões do crime, assim como empresários e políticos de alta monta que jamais aprenderam a receber visitas antes das seis da manhã. O que se ganha ao reduzir a força investigativa mais qualificada, bem equipada e independente do país? Talvez o medo dos diversos cães de ataque que, com algemas ou sem elas, continuam livres e protegidos por leis que parecem mais uma armadilha do que uma resposta efetiva ao crime organizado.

A cerimônia de desmonte do que resta da autonomia da Polícia Federal não foi ao acaso. O relator, um personagem bastante peculiar, possui em seu currículo o afastamento da Rota, reconhecida como o grupo policial mais violento do Brasil, por condutas que ultrapassaram os limites da própria lógica policial. Agora, ironicamente, foi designado para redesenhar, em poucas noites e com múltiplas versões do texto, uma nova estratégia de combate às facções criminosas. Sua habilidade em transformar projetos sólidos em esboços improvisados revela a verdadeira intenção por trás dessa legislação.

Ao passo que o diálogo com especialistas, pesquisadores e agentes de segurança com experiência real na ponta foi destroçado por um processo relatorial veloz e superficial, o discurso oficial passou a ser uma tentativa de enganar a opinião pública. Em menos de uma semana, seis versões do texto surgiram, todas sem estudos prévios ou consultas técnicas mínimas, como se o combate ao crime pudesse ser fruto do improviso e do estardalhaço político.

De resto, ao centralizar poderes, a lei enfraquece investigações complexas, dificulta infiltrações e tenta transformar a PF em coadjuvante, quando os grandes grupos criminosos exigem protagonismo, tecnologia e inteligência autônoma. O resultado é mais do que retrocesso, é quase um convite, com tapete vermelho e bufê de verbas, para que as facções sigam crescendo, blindadas pelo improviso institucional e protegidas, ironicamente, pelo excesso de leis mal pensadas. Quando o presépio do lobby político prevalece sobre a experiência da vida real, não há dúvida, vence o crime, perde a República.

Outra camada de ironia necessária está no apoio de governadores como Cláudio Castro a esse projeto. Ele clama por mais ajuda e autonomia da Polícia Federal para seu estado, ao mesmo tempo em que apoia um texto que restringe justamente essa possibilidade. Essa incoerência não é mero descuido, mas provavelmente reflexo de uma motivação ideológica para controlar a pauta da segurança pública. O medo é explícito, de que a aprovação do projeto em sua forma original represente uma virada positiva que dê popularidade real ao governo, além da intenção clara de barrar investigações que atinjam políticos e grandes empresários supostamente ligados ao crime organizado, protegendo assim interesses profundamente enraizados no poder.

Há, portanto, uma suspeita fundada de que esse embate legislativo serve mais para proteger interesses econômicos e políticos do que para combater efetivamente as organizações criminosas. Assim, a esperança de que o Senado desempenhe seu papel de moderador, retificando a bagunça orquestrada pela Câmara, permanece. Como ilustrou o recente episódio do projeto de lei da blindagem, duramente barrado pelos senadores, aguarda-se que essa Casa retome sua função de casa revisora e devolva a legislação à sua versão original, com respaldo técnico, autonomia da Polícia Federal e sem o viés ideológico que agora predomina.

Caso contrário, continuaremos assistindo a uma peça tragicômica na qual as elites políticas apresentam um espetáculo de intenções nobres, mascarando um projeto que, na verdade, visa proteger privilégios, impedir avanços e reforçar uma estrutura de impunidade. Tentamos combater as facções na base do remendo legislativo, enquanto o verdadeiro poder – aquele que interessa a quem manda – se fortalece na sombra, com leis feitas sob medida para perpetuar interesses escusos.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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