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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Nietzsche no País do Mito Inflável

Se Friedrich Nietzsche, esse velho sabotador de ídolos, despertasse de seu sono trágico e passeasse pelos corredores ensurdecedores do Brasil contemporâneo, provavelmente riria alto — um riso daqueles que não pedem licença, mas ferem como chicote. Afinal, o filósofo que denunciava o rebanho moral e as ilusões da fé encontraria, em pleno século XXI tropical, um espetáculo digno de circo romano: um “mito” que se erige como novo profeta, conduzindo massas hipnotizadas pela retórica do ressentimento.

Que ironia sublime: Nietzsche, o inimigo declarado dos falsos profetas e do cristianismo domesticador, toparia com um messias de bermuda, cercado não de discípulos da grandeza, mas de soldados do WhatsApp, ungidos por correntes de fake news e alimentados por um moralismo que é só máscara para a mais densa mediocridade. Eis a vontade de poder reduzida a corrente de zap — eis o eterno retorno transformado em corrente de pix para apoiar “o mito”.

Nietzsche talvez diria, com seu sarcasmo corrosivo, que o bolsonarismo é a prova viva de que a humanidade, em vez de caminhar rumo ao Übermensch (além-do-homem), resolveu retroceder ao Homo WhatsAppensis (o homem-domado-do-zap). Uma malta que confunde virilidade com berros, força com grosseria, e profundidade com slogans repetidos como mantra. Que gado curioso! Até para ser rebanho, falta elegância…

Ah, e como Nietzsche adoraria destrinchar a teatralidade cristã do bolsonarismo: pastores aos berros, deputados beijando bíblias entre uma rachadinha e outra, e fiéis exaltando moralidade enquanto aplaudem a necropolítica. O filósofo, que denunciava a mortificação da vida em nome de um além-mundo fictício, veria aqui a tragédia de um povo que prefere cultivar seus salvadores farsescos a afirmar a vida em sua crueza e potência.

E o que dizer do “mito” em si? Nietzsche, olhando para Bolsonaro com sua típica compaixão cruel, talvez visse não um super-homem, mas um boneco inflável político, inflado pelos sopros da ignorância coletiva e esvaziado de qualquer projeto que transcenda o trivial: memes, armas e ressentimento. Que Nietzsche o chamaria de “síntese escandalosa da má consciência tupiniquim” não é difícil supor.

No fundo, Nietzsche riria — riria até chorar. Pois o espetáculo é tragicômico: multidões clamando por libertação enquanto ajoelham diante de mais um falso profeta; um povo que, em vez de criar novos valores, recicla o entulho de velhas moralidades ressentidas.

Não, o Brasil nietzschiano ainda não chegou. Seguimos presos à roda de mulas moralistas, parindo ainda mais ressentimento e nostalgia de ditadores. Mas talvez, quem sabe, o riso de Nietzsche seja justamente a chave de saída: rir do “mito”, rir do gado, rir da própria tragédia. Pois onde tudo fede a morte, só resta à filosofia gargalhar para sobreviver.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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